As fugas do aeroporto são uma questão política

Ou assumimos que somos um Estado policial, e ninguém foge; ou somos uma sociedade aberta e haverá sempre quem tente fugir. É uma questão que Portugal e a Europa têm de decidir de forma democrática.

A pressão migratória sobre o Velho Continente é um tema bem presente no quotidiano dos europeus. É, aliás, um tema que apaixona a opinião pública, bastando uma tentativa de fuga do aeroporto de Lisboa envolvendo um par de viajantes para deixar Portugal em polvorosa e para todas as baterias se apontarem para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras — SEF, para a PSP ou até para a ministra da Administração Interna.

É nestes momentos que se sente de forma mais aguda o estremar de posições entre aqueles que defendem políticas tolerantes e os intolerantes às movimentações humanas em massa que se verificam na atualidade. E há também uma irreprimível tendência para meter no mesmo saco terroristas, refugiados e uma vaga de requerentes de asilo económico sem precedentes na Europa, uma tendência que se está a demonstrar duradoura e estrutural.

Mas vejamos o que se passa no Aeroporto Humberto Delgado. O modus operandi consiste basicamente em fazer uma viagem entre a Argélia e outro país terceiro, efetuar trânsito num país Schengen aproveitando o facto de não ser exigido visto de escala aos nacionais da Argélia, e esperar uma fragilidade. Normalmente este esquema é tentado em grupo.

Este método não é de agora. Em Itália este esquema foi usado durante quase dez anos, com o desaparecimento de cerca de 500 passageiros. Em Barcelona o mesmo método foi usado nos anos de 2014 e 2015. A mesma coisa em Madrid e em vários aeroportos franceses.

Em todos estes casos, estão sempre em causa  passageiros em trânsito na área internacional de um aeroporto (quer seja Lisboa, Nova Iorque, Londres ou qualquer outro), pessoas que não estão detidas nem presas, não estão, nem podem ficar privadas de liberdade: são simplesmente passageiros que aguardam o seu embarque e cujas intenções não podem ser avaliadas a título prévio como legalmente censuráveis.

Perante isto, importa dizer duas coisas: uma de caráter prático; e outra do capítulo dos valores democráticos e liberais.

Começando pelas questões práticas.

Não é normal a insistência da TAP em operar em rotas críticas, trazendo quase quotidianamente para Lisboa grupos de pessoas que saem de países do Magrebe e que querem seguir para outros países do Norte de África, tendo de permanecer uma média de 12 horas no Aeroporto Humberto Delgado antes de retomarem viagem. Será assim tão complicado que quem vai da Argélia para Marrocos, ou vice-versa, tenha uma paragem em Lisboa de apenas duas ou três horas?

Quanto à ANA, é incompreensível do ponto de vista logístico que as áreas de embarque e desembarque de rotas deste género não sejam feitas com salas de controlo de fronteira específicas e espaços confinados onde acomodar os passageiros durante os trânsitos. Também nestes casos se deveria proceder ao embarque e desembarque em manga, em vez de se andar de autocarro com estes grupos de passageiros pelo aeroporto fora.

Quer uma medida, quer outra reduziriam de certeza a expectativa de fuga que muitos passageiros hoje transportam consigo.

Vale a pena, para terminar, falar agora de política. Falar de valores democráticos, de sociedades abertas.

É que das duas, uma: ou mantemos as sociedades europeias a viver em espaços seguros, mas que, pela sua configuração e regras de circulação, serão sempre sítios de onde se pode tentar fugir; ou acabamos com os aeroportos (só para dar um exemplo) tal como os conhecemos hoje, quase sempre cheios a testar os limites, com percursos de grandes distâncias para os passageiros no seu interior, cheios de lojas, bares, restaurantes, WC e serviços, com longos tempos de espera entre os voos.
O que não se pode ter, ao mesmo tempo, é sol na eira e chuva no nabal. Ou assumimos que somos um Estado policial, e ninguém foge; ou somos uma sociedade aberta e haverá sempre quem tente fugir. Esta é uma questão cívica, política, de regime. É uma questão que Portugal e a Europa têm de decidir, de preferência de forma democrática.

Enquanto tal não for feito, em vez de se andar a acusar os inspetores do SEF, melhor seria que o Governo obrigasse a TAP e a ANA a darem-lhes melhores condições para trabalhar. Muito tem feito o SEF pela segurança de Portugal e da Europa — o país tem sido, até agora, imune ao terrorismo. O que os inspetores não conseguem é vigiar, todos os dias e a toda a hora, uma rede com demasiados buracos.
 

Sugerir correcção
Ler 1 comentários