Almaraz: Governo apela à calma, mas relatório confirma falta de estudos e prolongamento da central

As conclusões do grupo de trabalho levantam interrogações. Deputados continuam desassossegados e apontam contradições ao relatório.

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LUSA/ANTÓNIO JOSÉ

Algumas partes do relatório ainda são confidenciais, mas deixam pouca margem para dúvidas: a construção do armazém para resíduos “viabiliza o prolongamento do funcionamento da Central Nuclear de Almaraz para além da actual autorização de operação, que termina em 2020” e faltam estudos sobre possíveis acidentes. As conclusões são do grupo de trabalho que analisou o problema e que reuniu várias entidades, da Agência Portuguesa do Ambiente, da Direcção-Geral de Saúde, académicos, entre outros especialistas. O Governo e a Agência Portuguesa do Ambiente bem querem sossegar toda a gente e dizer que a construção daquele armazém é segura, mas as páginas daquele relatório continuam a levantar interrogações.

“Não há evidência de terem sido analisadas situações de acidente severo devido a causas extremas (…) não está demonstrado que as mesmas não tenham impactes significativos, incluindo em território português.” Mas há mais pontos que lançam alertas: “Não há evidências que tenham sido analisados os potenciais impactes na segurança e na segurança física” da central “devido a eventuais acidentes decorrentes da fase de construção” do armazém.

No documento, chama-se ainda a atenção para “o facto da possibilidade de ocorrência de acidentes durante a fase de operação não fazer parte da ponderação global de impactes que sustenta a emissão da declaração de impacte ambiental”. Estas são apenas algumas conclusões, a que o PÚBLICO teve acesso, e que constam do documento na íntegra (até agora só tinha sido divulgada uma síntese, embora nela já houvesse alguns alertas). O Governo faz ainda várias recomendações, tais como proceder-se à avaliação de alguns impactes que possam ocorrer em Portugal, por via aérea e aquática.

Ministros ouvidos no Parlamento

Nesta terça-feira, durante a audição no Parlamento, o tom do Governo e da Agência Portuguesa do Ambiente foi de calma, quiseram passar a mensagem de que não há motivos para alarme no que toca à construção do armazém de resíduos na central nuclear de Almaraz. Ou que, pelo menos agora, Portugal já tem informação que antes não tinha. Mas os deputados não ficaram nada sossegados depois das audições dos ministros dos Ambiente e dos Negócios Estrangeiros.

E que mais se pode ler nessas conclusões, às quais os deputados tiveram acesso pouco antes das audições? “A abordagem adoptada não constituiu uma avaliação ambiental integrada do projecto. Tal limita a ponderação da possibilidade de ocorrência de impactes, nomeadamente, em território português.” Mais: “Não foram avaliadas no âmbito deste projecto algumas operações que podem comportar riscos adicionais, como sejam a carga, manipulação, selagem e descontaminação do contentor nos edifícios de combustível e a sua transferência para a viatura que efectuará o transporte até ao armazém temporário individualizado”.

Os alertas não ficam por aqui: “Embora a topografia do terreno e a distância a que se encontra a barragem de Valdecañas indiciem a baixa relevância de eventuais impactes, não se encontraram evidências de que o risco de ruptura desta barragem tenha sido avaliado.”

Mas na audição, e apesar das muitas inquietações dos deputados, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente insistiu ser apropriada a construção daquele armazém (ideia que também consta do relatório). Nuno Lacasta explicou que esta solução é preferível à acumulação de combustíveis em piscinas dos reactores da central, que estão a atingir o limite.

Estudo do Exército

No meio da discussão esteve ainda a notícia da Rádio Renascença que recuperava um estudo de 2010 feito pelo Exército, segundo o qual um acidente em Almaraz atingirá cerca de 800 mil pessoas em Portugal. Mas esta informação foi desvalorizada quer por Nuno Lacasta, quer por Augusto Santos Silva. Ou por não ter aderência à realidade, ou porque não foi um estudo, mas uma simulação, argumentaram.

O Governo quis passar assim uma dupla mensagem: apaziguar os portugueses sobre os eventuais perigos da construção do armazém, mas sem deixar de vincar que vai continuar a fazer tudo o que puder para evitar o prolongamento da vida da central – cumprindo, aliás, uma recomendação aprovada por unanimidade no Parlamento. “Podemos hoje afirmar que estamos diante de um projecto seguro”, disse Matos Fernandes. “Estou mais descansado e posso descansar os meus concidadãos”, acrescentou.

Só que os deputados continuam a encostar o Governo à parede. Querem que assuma de forma taxativa que a construção do armazém não vai implicar o prolongamento da vida da central. O que o executivo assume é que não é a favor da energia nuclear e que vai continuar a bater-se pelo encerramento (ainda que seja uma decisão espanhola). Mas sem fazer “diplomacia de megafone”, explicou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, garantindo no entanto que a questão está no “coração” das preocupações do Governo. Mais, fez questão de frisar o ministro: o Governo português não autorizou a construção do armazém, a responsabilidade da obra, da segurança, do funcionamento, de defeitos, anomalias e incidentes é de Espanha.

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