"Não inquietemos as pessoas", diz Santos Silva sobre simulação de desastre em Almaraz

Ministro dos Negócios Estrangeiros desvaloriza notícia sobre simulação informática de um acidente nuclear em Almaraz. PÚBLICO citou estudo em 2011.

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Central Nuclear de Armaraz LUSA/ANTÓNIO JOSÉ

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, negou esta terça-feira a existência de um estudo do Exército sobre a segurança da central nuclear de Almaraz, em Espanha, que segundo a Rádio Renascença indicaria que "cerca de 800 mil portugueses" seriam afectadas por um hipotético desastre naquela estrutura. 

“Não inquietemos as pessoas e não tragamos para a nossa discussão elementos emocionais que só perturbariam. O Exército português, no âmbito das suas missões, não realizou nenhum estudo sobre a segurança de nenhuma central nuclear, até porque lhe faleceria competências nessa matéria”, disse Santos Silva, citado mais tarde pela Renascença, ouvido esta terça-feira na comissão parlamentar de Ambiente e Ordenamento do Território.

O estudo citado de manhã pela Renascença é um exercício de simulação informática corrido num software da NATO, cuja existência já tinha sido noticiada pelo PÚBLICO em 2011. Na altura, poucos dias depois do desastre nuclear de Fukushima, no Japão, um acidente semelhante ao que foi provocado pelo sismo e tsunami de 11 de Março desse ano foi simulado em território português, em ambiente virtual, com um epicentro hipotético na base de Tancos, perto do Entroncamento. Se uma central nuclear igual à de Fukushima sofresse o mesmo acidente naquele local, o software previa que 1,6 milhões de portugueses seriam afectados nas primeiras 48 horas. 

No mesmo artigo, aliás, referia-se a apresentação, numa conferência internacional de Protecção Civil em Castelo Branco, em Outubro de 2010, de uma simulação conduzida no mesmo software, mas relativa a um hipotético acidente num reactor nuclear localizado em Almaraz. 

"Esta simulação não é baseada na central de Almaraz", sublinhava à data o capitão António Ferreira, co-autor do estudo. "O que usámos foi a localização de Almaraz. Mas dá para ter uma noção [dos impactos de um eventual acidente naquela área]".

Esta terça-feira, o coordenador do Movimento Ibérico Antinuclear (MIA), António Eloy, disse ao PÚBLICO não ter conhecimento sobre a simulação realizada em 2010.

“Não tínhamos conhecimento deste estudo, mas não ficamos surpreendidos com o que nele se refere. A única pessoa que pode ficar surpreendida é o ainda ministro do Ambiente, responsável por ter dado seguimento ao relatório da Agência Portuguesa do Ambiente sem o confrontar”, disse António Eloy numa alusão ao grupo de trabalho técnico que o Governo criou para analisar a construção do Armazenamento Temporário Individualizado (ATI) de Combustível Irradiado na Central Nuclear de Almaraz que considerou o projecto “seguro e adequado”.

Em declarações ao PÚBLICO, o coordenador do MIA alerta advoga que “Almaraz não é o único caso que compromete o território nacional”. “Recentemente o início dos trabalhos de desmatação tendo em vista a abertura de uma mina de extracção de urânico a céu aberto em Retortillo, Salamanca, compromete seriamente a saúde pública das populações do distritos da Guarda com maior incidência no concelho de Almeida”, afirma o especialista em questões nucleares.

Estudo de 2010 replicava Tchernobil

O referido estudo do Centro de Defesa Nuclear, Biológica, Química e Radiológica e Protecção Ambiental recuperado esta terça-feira pela Renascença tinha como base um cenário idêntico ao acidente de Tchernobil, na então Ucrânia soviética, em 1986 – o rebentamento de um reactor, seguido de incêndio. Ou seja, não simulava um acidente numa central nuclear com as mesmas características da estrutura de Almaraz, mas sim um hipotético desastre naquela localidade espanhola.

O programa simulava posteriormente a evolução da nuvem radioactiva nas 40 horas que se seguiam à explosão e a sua deslocação pelo território português, onde chegaria 12 horas após o acidente.

“Os distritos atingidos pela nuvem radioactiva são os que ficam no norte de Portugal, sendo que o distrito de Castelo Branco será o mais afectado, mas sempre com valores baixos de radioactividade. No total, prevê-se que afecte 800 mil pessoas”, disse à Renascença a major de engenharia Ana Silva, actual comandante daquele centro do Exército.

"Dada a proximidade com a fronteira espanhola, os concelhos de Idanha-a-Nova, Castelo Branco e Penamacor, onde vivem cerca de 45 mil pessoas, registam o maior nível de afectação”, afirmou.

No entanto, “o problema não é tanto o que resulta da exposição imediata à radiação, mas sim os efeitos que se podem manifestar caso a exposição seja prolongada”.

Segundo a notícia da Renascença, o centro português apresentou os resultados da simulação aos técnicos de Almaraz. No entanto, a Autoridade Nacional de Protecção Civil disse não conhecer a simulação nem ter realizado nenhum exercício com base nas suas conclusões. À rádio, a major Ana Silva considerou desejável a realização de exercícios conjuntos, bem como a informação das populações mais afectadas sobre o que devem fazer em caso de acidente.

“Não são necessários equipamentos especiais. Basta que as pessoas se fechem em casa, desliguem os aparelhos de ar condicionado, cortem todo o contacto com o exterior e não utilizem água da torneira até que as autoridades comuniquem que o perigo passou”, disse a oficial do Exército.

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