Agosto com Canadá

Gosto das férias em Agosto. Não partilho a ideia de que é bom fugir à confusão das praias cheias, nem sustento que é essencial encontrar um refúgio isolado para descansar o espírito. Ter uma vida diferente, sem horários rígidos nem trabalhos impostos, poder gerir o tempo para estar com a família e os amigos e conhecer novos lugares constituem o essencial dos meus projectos para este mês de férias.

E ler, claro. Confesso que às vezes me sinto estranho a falar de livros ou a recomendar uma obra. Como tenho afirmado, a leitura deixou, talvez para sempre, de fazer parte dos hábitos das novas gerações. Quando estou com famílias que têm filhos na infância ou na adolescência, verifico que as noites são passadas à volta de vários tipos de ecrãs e que a leitura de um livro é uma raridade para todos. No Verão, folheiam-se revistas cor-de-rosa ou saltam-se páginas em livros de leitura fácil, cujos conteúdos podem incluir conselhos dietéticos ou novelas de amor.

Ainda não sabemos o que vai acontecer a estes jovens que têm acesso permanente à informação e que consultam a Internet a todo o momento. “Lêem” de maneira diferente, dizem eles, e não deixam de ter razão, mas qual vai ser o impacto cultural e educativo desta nova forma de ver o mundo?

Na linha de tradição dos últimos anos e a pedido de alguns leitores, recomendo este ano o romance Canadá, de Richard Ford, como o livro das férias.

Já conhecia o autor a partir do seu romance O Jornalista Desportivo, em que o protagonista, escritor falhado e jornalista de desporto à falta de melhor, vivia o tédio de uma sociedade americana longe dos tempos áureos. Canadá, no entanto, é de outra dimensão.

O romance conta a história de dois gémeos de 15 anos que pressentem como os pais se preparam para assaltar um banco. O leitor sabe que isso é certo, os adolescentes não têm a certeza e essa é uma das construções narrativas mais interessantes do texto.

Dell Parsons, o rapaz, torna-se o protagonista, e é ele que recorda tudo o que se passou cerca de 50 anos depois, com base na sua memória e no diário que a mãe escreveu na prisão. O pai é um aviador militar reformado, responsável por bombardeamentos na Segunda Guerra Mundial, ingénuo e pouco sério, enquanto a mãe está presa num casamento sem sentido e onde a sua autonomia há muito desapareceu.

Como era de esperar, tudo corre mal, os pais são presos e a irmã desaparece. Dell fica sozinho e, com o apoio de uma amiga da mãe, inicia uma viagem para o Canadá, onde se passa a segunda parte do romance. Em terras canadianas, Dell passa por momentos terríveis, descobre a dissimulação e o mal, as más condições de trabalho e a frieza de novos personagens.

Não sei o que mais me agrada neste magnífico romance: o permanente dilema entre a herança biológica e a importância do contexto, a ingenuidade da adolescência e a difícil viagem (uma espécie de ritual de passagem para a idade adulta), ou a descrição de uma vida como uma série imprevisível de ocasiões perdidas ou aproveitadas.

Talvez o que mais me encanta é perceber, com este livro, que nada está escrito à partida e que o inesperado determina o nosso futuro, embora seja crucial não deixar a vida correr sem nada fazer.

Espero que gostem de ler Canadá. Por entre os ecrãs e as brincadeiras na praia, vale a pena encontrar umas horas para ler este livro.     

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