A vida velha

A velhice é um estado de misericórdia. A estupidez é não aproveitá-la.

Desde que perfiz 60 anos tenho estado a acumular uma lista de sinais seguros de ter envelhecido.

O primeiro é o do TMN: o transeunte mais novo. A minha mulher estava com pressa e eu parei para deixar passar um homem com um bonsai nos braços. Ele demorou-se na passadeira. Desabafa a Maria João: "O sacana do velho nunca mais se despacha!"

Eu meço a olho a idade do senhor: mesmo sendo pouco generoso é mais novo do que eu. Terá, quanto e quando muito (porque é sempre muito), 58 anos.

Se ele é velho, sendo menos velho do que eu, eu sou velho de certeza. Quando anuncio este descobrimento à Maria João ela sorri. O amor pela verdade é uma coisa muito inteligente.

Outro sinal seguro é o respeito pelas minhas opiniões. Quando se é novo as nossas opiniões não são ouvidas ou, caso sejam ouvidas por um defeito de funcionamento, são vigorosamente contestadas por serem ignorantes.

Chegando-se a uma idade provecta - um adjectivo cujo significado tenciono desconhecer para além da minha morte - as nossas opiniões passam a ser dolorosamente ouvidas e toleradas com o mesmo espírito de fair play com que se aceita a papeira e a chegada do Inverno.

A velhice é um estado de misericórdia. A estupidez é não aproveitá-la, na ganância deselegante de querer continuar a ser novo. A velhice é a última novidade das nossas vidas.

Porque havemos de querer arruiná-la, adiando-a como se toda a existência dependesse de cada um de nós, se é essa a beleza que nos escapa?

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