“A única coisa errada nisto da natalidade são os políticos”

Falta “consistência” e maturidade” aos dirigentes políticos nas questões de apoio à natalidade, acusa Joaquim Azevedo, autor do relatório Por um Portugal amigo das crianças, da natalidade e das famílias 2015-2035.

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Joaquim Azevedo: “Temos 40 anos de democracia, era tempo de sermos mais adultos nestas coisas” Renato Cruz Santos (arquivo)

Numa sociedade que, como a portuguesa, desejava ter mais filhos do que os que na realidade tem, a responsabilidade por nascerem cada vez menos bebés é dos decisores políticos. “Vem um governo e faz, vem o seguinte e desfaz. E estas políticas de stop and go transmitem aos cidadãos o sinal contrário ao que seria preciso. Não se percebe muito bem", desabafa Joaquim Azevedo, coordenador da comissão independente que, a pedido do anterior primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, redigiu o relatório Por um Portugal amigo das crianças, das famílias e da natalidade 2015-2035.

Do incentivo ao trabalho em part-time até um ano e sem perda de salário à redução do IMI e das tarifas de água e do lixo, passando pela criação de um passe familiar nos transportes públicos e pela isenção da Taxa Social Única para as empresas que contratassem grávidas ou pessoas com filhos até três anos de idade, o documento propunha 27 medidas tidas como capazes de remover os obstáculos à natalidade em Portugal.

Quando, em Julho de 2014, o apresentou publicamente, Passos Coelho apelou a um consenso partidário e social alargado em torno das propostas. Mas a maioria quedou-se no papel. E as que avançaram, como a introdução do quociente familiar em que cada filho passou a contar no apuramento das deduções à colecta para efeitos de IRS, acabaram por ser revertidas pelo Governo actual liderado por António Costa. “Logo que a situação melhorou, a natalidade voltou a subir. A única coisa errada nisto são os dirigentes políticos. Eles é que dão sinais contrários. Falta consistência nas políticas. Temos 40 anos de democracia, era tempo de sermos mais adultos nestas coisas”, acusa Joaquim Azevedo.

No ano passado, assistiu-se a um ligeiro aumento na natalidade, com mais 3133 bebés do que no ano anterior. Não é muito, mas foi a primeira vez, em vários anos, que a natalidade não desceu. Mostra isto que “as pessoas querem ter filhos e querem ter mais filhos”, insiste Azevedo. Faltam, assim, medidas consistentes de facilitação. Quais?

“A facilitação da conciliação do trabalho com a família, não só já do ponto de vista da mãe, mas também do pai, seria importantíssima para incentivar a natalidade”, atira Maria Filomena Mendes. Para a presidente da Associação Portuguesa de Demografia, “num país em que a produtividade ainda se confunde muito com o número de horas que se dedica ao trabalho”, seria assim imperioso “avançar com a redução das jornadas laborais dos funcionários com filhos pequenos”.

Para a também demógrafa Ana Fernandes, professora catedrática no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, urge flexibilizar os horários de trabalho e assegurar a existência de boas escolas maternais onde os pais possam deixar os filhos sem terem de desembolsar perto de 500 euros. “Isso é a pedra de toque de qualquer política de apoio à natalidade, porque, sem uma estrutura de apoio à família bem organizada e acessível, nada disto vai mudar.”

Na semana passada, a Assembleia da República discutiu duas propostas do Bloco de Esquerda e do PAN para o alargamento da licença pós-parto. O debate começou por ser suscitado por uma petição popular que reuniu mais de 30 mil assinaturas e seguiu entretanto para discussão em sede da Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social, onde se juntará um terceiro projecto do PCP que aponta no mesmo sentido. O PS já avisou, porém, que não está disponível para apoiar a mudança.

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