A minha bússola moral faz 30 anos

Em 1984, estrearam-se os oito filmes que ajudaram a formar o meu carácter. Celebro, com saudade, as efemérides cinematográficas. Ao fim deste tempo todo, ainda me lembro das lições que aprendi com sete anos.

Primeiro foi o Karate Kid, a história de um rapaz pobre e franzino, que é subestimado pelos betinhos ricos e espadaúdos, mas ganha-lhes à porrada e ainda fica com a rapariga.

Depois, veio o Footloose, em que um forasteiro é subestimado pela sociedade conservadora de uma vila, mas mesmo assim consegue pôr os parolos todos a dançar e ainda fica com a rapariga.

No Caça-Polícias, um chui pouco sofisticado é subestimado pelos snobes de Beverly Hills, mas é ele que prende os bandidos e ainda fica com a rapariga.

Seguiu-se o Indiana Jones e o Templo Perdido, em que um professor universitário semichoninhas é subestimado pelo sacerdote satânico, mas vence os seus sequazes, mantém o coração dentro do peito e ainda fica com a rapariga.

Veio então o Exterminador Implacável: uma rapariga é subestimada pela sociedade em geral e por um robô vindo do futuro. Mesmo assim, consegue derrotá-lo e ainda — descobre-se no Exterminador 2 — ficar com o rapaz.

Já na História Interminável, uma criança é subestimada por bullies, mas lê um livro (nesse livro, outra criança é subestimada por uma espécie de Lobo, mas vence-o), salva um universo e voa nas costas de um cão gigante. Não fica com a rapariga porque ainda é muito novo, mas vê-se que há ali uma química entre os dois e, quem sabe, talvez no futuro se passe qualquer coisa.

Seguem-se os Gremlins, em que o animalzinho peludo mais fofinho é subestimado pelos animaizinhos mais alarves, mas acaba por destruí-los a todos. Não fica com a rapariga porque não seria natural e não é esse género de filme.

Finalmente, Os Caça-Fantasmas, em que os humanos são subestimados pelo malévolo deus sumério Gozer, mas acabam por sugá-lo para dentro de uma espécie de aspirador de avantesmas e ainda ficam com a rapariga. Quer dizer, fica só um. Não ficam todos porque também não é esse género de filme.

Nestas fitas, os protagonistas começam por ser menosprezados mas acabam por triunfar. A primeira impressão é desmentida e os heróis superam-se para mostrar que, afinal, são bestiais. No fundo, são versões do Patinho Feio. A mensagem é simples, mas bonita: nunca sabemos se o camafeu não é, afinal, um cisne cujo ovo foi chocado pela ave errada. Ou seja, antes de humilharmos as pessoas devemos sempre certificarmo-nos de que elas são mesmo fraquinhas, não vá dar-se o caso de afinal terem jeito para a porrada. Ou serem óptimos polícias. Ou dançarem estupendamente. Ou perceberem imenso de fantasmas. Só depois de confirmarmos que são mesmo pessoas sem qualquer característica acima da média é que podemos amesquinhá-las à vontade sem correr o risco de passar por parvos.

Ainda hoje recorro ao que aprendi com estes filmes. Quando conheço alguém procuro descobrir um pouco mais sobre o seu passado. De onde vem? Terá sido adoptado? Tem um amigo japonês mais velho que apanha moscas com pauzinhos? Tem cão? O cão voa? Dou-me ao trabalho de aprender sobre uma pessoa, para a poder desprezar de consciência tranquila.

Sugerir correcção
Comentar