O dilema de segunda-feira à noite

Talvez consigamos perceber melhor os dilemas de segunda-feira à noite se fizermos esta pergunta: o que tinha acontecido a esta maioria se a polícia tivesse carregado contra os taxistas?

Ouvimos frases quase criminosas, sentimos ânimos exaltados, ameaças de violação descarada da lei. Vimos em directo um literal bloqueio de estradas e do principal aeroporto do país. Vimos também agressões, pelo menos um carro destruído e um grupo de pessoas literalmente presas numa bomba de gasolina. Tudo isto em 20 horas de um protesto, que tinha regras definidas pelas autoridades, mas que não foram cumpridas.

A polícia esteve lá, deteve três pessoas durante a manhã, protegeu as vias, bloqueou a manifestação fora do centro da cidade, manteve o diálogo aberto. O braço-de-ferro continuou até às 2h30 da manhã — e chegou a temer-se que acabasse mal, com um problema muito grave de ordem pública. Mas tudo acabou com um recuo, dos taxistas.

A verdade é que qualquer governo teria um problema com uma manifestação como a de segunda-feira. Já vimos coisas parecidas, aliás, no Governo de Sócrates, quando os camionistas fizeram uma greve e um bloqueio. Vimos algo parecido quando foram os próprios polícias a manifestar-se frente à Assembleia da República. Depois, com Passos e Costa, com o caso dos estivadores. Todos estes braços-de-ferro foram difíceis de gerir. Todos eles motivaram uma discussão sobre até onde deve ir a intervenção da polícia para repor a ordem pública.

A polémica, pois claro, voltou agora. Aqui no PÚBLICO recebemos muitos emails e mensagens via redes sociais, mostrando que muitos portugueses ficaram com uma percepção negativa da intervenção da polícia, até a forma como o Governo aceitou negociar com os taxistas no momento em que estes violavam algumas das regras mais básicas do Estado de direito.

Mas hoje há um pormenor que mudou, o contexto político. É a primeira vez em que os comunistas apoiam os manifestantes e também o Governo. E a primeira vez em que o Governo dispensa os manifestantes, mas não pode dispensar o PCP.

Sublinho de novo: não estou a dizer que o Governo, qualquer governo, não teria um problema em repor a ordem quando estavam na estrada milhares de táxis, com condutores enfurecidos ao volante. Estou, isso sim, a explicar a razão pela qual teria sido muito difícil a este Governo, neste contexto, dar uma ordem clara à polícia para repor a ordem pública.

Não sabemos como vai acabar esta história, o que vai acontecer até segunda-feira. É mesmo muito provável que não aconteça nada. Mas talvez consigamos perceber melhor os dilemas de segunda-feira à noite se fizermos esta pergunta: o que tinha acontecido a esta maioria, se a polícia tivesse carregado contra os taxistas? 

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