“A grande vantagem da matemática é pôr as pessoas a pensar”

José Paulo Viana, professor, co-autor da secção Desafios, que nasceu no PÚBLICO e se mantém, vê a matemática como uma ferramenta para organizar o raciocínio.

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Quantos problemas já fez, até hoje? Uns 1380, aproximadamente DANIEL ROCHA

Começou como uma brincadeira entre amigos e transformou-se numa das secções fixas de maior longevidade na imprensa actual, neste caso no PÚBLICO: os Desafios. José Paulo Viana, professor (hoje reformado), recorda como tudo começou, há quase três décadas. “Eu e o Eduardo [Veloso, com quem durante muito tempo assinou a secção em conjunto] sempre gostámos muito de problemas. E muito antes de nos conhecermos, quer eu quer ele já propúnhamos problemas às pessoas de que nos rodeávamos. Era uma coisa que já fazia parte de nós.” Quando, no processo de lançamento do PÚBLICO, cujo primeiro número saiu para as bancas em 5 de Março de 1990, surgiu a hipótese de haver uma secção ligada à matemática, eles agarraram logo a oportunidade, “porque era uma maneira de chegar a mais pessoas.” E assim foi. Em 8 de Março desse ano, no primeiro número do Hoje & Amanhã, suplemento do jornal dedicado à ciência e às tecnologias, foi publicado o primeiro de muitos desafios. Incluía um problema chamado “Fósforos e quadrados” (com ilustrações de Cristina Sampaio, que tem vindo sempre a ilustrá-los até à data) e, antes dele, uma explicação do que ali se propunha. “Esta secção (…) destina-se à grande tertúlia de todos aqueles que gostam de problemas, e para quem um dos maiores prazeres é conhecer uma nova adivinha, um problema ainda ignorado, um jogo nunca praticado.” A secção estreou-se às quintas-feiras, naquele suplemento e foi sempre semanal, mudando de lugar e de dia até se fixar no actual espaço do P2.

O que tem isto a ver com a matemática? Tudo. “Eu sempre gostei muito de matemática e de resolver problemas”, diz José Paulo Viana. Nascido em Angola, em 17 de Setembro de 1946, começou por tirar engenharia, porque desde pequeno lhe diziam que “ia ser engenheiro como o pai.” Mas a meio do curso achou que aquilo não tinha nada a ver com ele. Não desistiu, foi até ao fim, até que, “por um acaso inesperadíssimo”, se viu a dar aulas de educação visual. “Foi a seguir ao 25 de Abril, não havia professores para tudo, o número de alunos tinha aumentado muito e as escolas não estavam preparadas.” Foi dar aulas e percebeu, então, que aquilo de que gostava era de ensinar. “Fui experimentando várias disciplinas até chegar à matemática. E então percebi: é isto mesmo. Isso foi em 1979 e depois, passados quatro ou cinco anos, fui tirar o curso de matemática.”

O ensino da disciplina foi, entretanto, mudando. “Durante muitos anos, no início, havia alunos a perguntarem-me para que é que aquilo servia. Até que o programa mudou, nos anos 1990, passou a ser uma matemática muito menos formal e mais ligada a situações concretas, reais ou imaginárias, e um dia apercebi-me de que já ninguém me fazia aquela pergunta. Ou seja, os alunos tinham começado a perceber que aquilo era útil.”

Num penedo, a pensar

Voltando aos Desafios. “Começaram logo de início a chegar cartas, algumas giríssimas (ainda se escreviam cartas, naquela altura). Uma, que me marcou muito, vinha de um senhor que, pela forma como escrevia, não teria grande instrução e dizia: estou aqui sentado num penedo em Trás-os-Montes, na serra tal, a pensar no vosso problema.” A maioria das cartas propunha soluções alternativas. “Mas nós tivemos um leitor que nos escrevia com frequência, antes de saírem as soluções [que são sempre publicadas na semana seguinte à de cada Desafio], a dizer como é que ele resolvia os problemas. Acertava quase sempre.” Escreveu durante mais de dois anos e um dia deixou de escrever. José Paulo Viana estranhou e escreveu uma carta a perguntar o que é que tinha acontecido. Respondeu-lhe a filha, dizendo que ele estava muito doente. “Fui visitá-lo ao hospital, era o mínimo.” Mas ele recuperou, voltou a escrever. Até que parou. Tinha morrido.

Como é que surge cada Desafio? Como é que chega a cada ideia e à concretização dela? “Primeiro surge o problema, sempre. E depois é que o desenvolvo. De início sofria muito, porque não é fácil inventar problemas. Mas a partir de certa altura criei rotinas e quando se criam rotinas as coisas ficam mais fáceis. E o que passei a fazer foi: de cada vez que tinha uma ideia ou que lia qualquer coisa que me dava uma ideia, tomava logo nota e ia metendo num dossier. Agora tenho sempre um dossier com uma série de ideias e já não me custa.” Quantos problemas já fez, até hoje? Uns 1380, aproximadamente.

Problema por resolver

E a matemática, que espreita sempre por detrás de cada problema? “A matemática em si, no dia-a-dia, é muito pouco usada directamente. A aritmética, sim. Agora, a grande vantagem da matemática é pôr as pessoas a pensar, a organizar o raciocínio e a transmitir a forma de pensar. Se isto for dinamizado nas aulas nesse sentido.”

José Paulo Viana deixou o ensino directo em 2013. Imediatamente antes de se reformar, e depois de ensinar em várias escolas, estava na Escola Secundário Vergílio Ferreira, em Carnide, onde leccionou durante cerca de duas décadas. Não se desligou do ensino, naturalmente, e encara os Desafios como uma actividade complementar do acto de ensinar e, paralelamente, aprender. Dos muitos problemas que fez até hoje não elege nenhum em particular como preferido, está ligado a todos. Mas há um que ainda não publicou porque não está completamente resolvido. Fácil e difícil ao mesmo tempo. “É um problema lindíssimo, de geometria. E tem a ver com polígonos. Um dia sairá.”

Correcção: onde se escreveu, por lapso, que a secção Desafios “foi sempre quinzenal” passou a estar, correctamente, “foi sempre semanal”.

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