A favor do registo de pedófilos

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Rui Soares

Foi nesta rua açoriana que um vizinho se revelou um monstro. Agarrou numa criança de 11 anos nas escadas do prédio, levou-a para o seu apartamento e espancou-a repetidamente. A polícia suspeita de tentativa de abuso sexual. O agressor não tem cadastro como pedófilo, mas é impossível não associar o caso à polémica do registo de identificação de condenados por crimes sexuais contra menores que o Governo acabou de aprovar. Há bons argumentos a favor da nova lei — incluindo o acesso — e há fragilidades nos argumentos contra.

O ideal do “direito ao esquecimento” é uma ilusão. A Direcção-Geral de Administração da Justiça lista mais de 130 actividades para cujo acesso todos somos obrigados a apresentar um registo criminal, desde candidatos a árbitros e ajudantes de farmácia, directores de parques zoológicos, trabalhadores portuários e tripulantes de ambulância, para não falar de toda a função pública, várias ordens profissionais, alvarás e contratos com o Estado.

Não é por causa do novo registo que os pedófilos vão ter dificuldade em encontrar trabalho depois de saírem da prisão. Hoje um pedófilo que queira sair da sua comunidade para evitar o ostracismo e o estigma enfrenta um filtro considerável.

Do mesmo modo, o perigo da “caça às bruxas” também parece ser um mito. Os pais de menores que vão confirmar que há um pedófilo no seu bairro farão Portugal “regressar ao pelourinho”? Ninguém se lembra de casos em que isso tenha acontecido e não encontrei uma única notícia, em nenhum dos 18 países que têm registos de pedófilos, sobre “linchamentos” e actos de “justiça popular”. Nem na Austrália ou nos EUA — e ambos publicam listas de pedófilos com os seus nomes e fotografias em sites abertos a qualquer cidadão.

Muitos reduzem a lei a mera “medida popular” para atrair votos. Popular? Se há questão controversa, em Portugal e no mundo, é esta. Há formas mais simples de conseguir votos.

Um quarto argumento aponta para o facto de a lei não resolver o “principal problema”: muitos agressores sexuais de menores são as pessoas de quem esses menores dependem. É verdade. Mas também é verdade que estão presos em Portugal 478 pessoas por crimes sexuais contra menores e que, destes, só 62 tinham as crianças à sua guarda (eram pais, padrastos ou tutores). Isto mostra uma das dificuldades. Muito se passa dentro da própria casa da criança. Mas estão presos 354 pedófilos ditos “de rua”. Pode não resolver o “principal problema” mas inibe.

E os pais não vão ter “acesso” a nenhuma lista. Vão à esquadra do bairro, descrevem uma “situação concreta”, diz a lei, “que justifique um fundado receio” e ficarão a saber se há ou não um pedófilo por perto. Não o nome ou a morada. A ideia é que a polícia, por ter a lista, passe a ter um dever especial de vigilância.

Pinto Monteiro está preocupado com as “ameaças da vida privada” dos pedófilos. E a vida privada das crianças?

Se a lei tem algum problema, é ser conservadora. Dá um passo importante ao criar a base de dados, mas não é radical de modo a aplacar os críticos e a passar no Tribunal Constitucional. E mesmo que só haja 5% de reincidentes — os estudos são contraditórios — temos obrigação de tentar evitar que esses 5% voltem a agredir crianças. Os direitos das crianças, sim, estão acima dos direitos dos pedófilos. 

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