A escola no ecrã

É mais fácil ler em papel ou num ecrã? Os alunos distraem-se com a Internet na sala de aula? Há conteúdos digitais adequados? E os professores sabem utilizá-los?

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Uma caneta, um computador portátil, um estojo com lápis e uma panela. Qual destes objectos não faz parte da escola? O exercício está a ser feito numa sala de aula do 1.º ano do 1.º ciclo, no Colégio Monte Flor, em Carnaxide. As crianças, com cerca de seis anos, põem um círculo à volta da panela. Não é numa folha de papel que o fazem, mas num Magalhães que é simultaneamente portátil e tablet. As respostas aparecem no quadro interactivo e o professor percebe que quase ninguém errou.

Antes de o exercício começar, há alguma agitação. “Quem é que não tem Internet?”, pergunta o docente Rui Lima, 37 anos. Dedos no ar. Não percebem o que se passa. Por que não está a dar a Internet? O problema é, porém, rapidamente resolvido e, de repente, todos ficam ligados. Agora, sim, já podem pôr um círculo à volta do objecto errado.

Tablets, Google, Kodu, Fresh Paint, ClassFlow, OneNote, Teamup, Weduc. Alguém que tenha feito o 1.º ano quando ainda se chamava 1.ª classe poderá não perceber todo o vocabulário usado numa aula amiga das tecnologias, como é o caso desta, no Colégio Monte Flor, uma das escolas que fazem parte do Creative Classrooms Lab. Trata-se de um projecto com a duração de dois anos — até Maio de 2015 —, financiado pela Comissão Europeia, liderado pela European Schoolnet (uma rede de ministérios da educação) e coordenado em Portugal pela Direcção-Geral da Educação. Estão envolvidos nove países europeus, cinco turmas em cada. Mas só o colégio Monte Flor é que está a aplicar o projecto a alunos do 1.º ciclo — no caso, a uma turma do 1.º ano e a outra do 2.º.

Neste colégio, são 50 os alunos envolvidos. Os tablets são Magalhães e funcionam também como computador. Foram os pais que os compraram, por um valor abaixo do preço de mercado, à JP — Inspiring Knowledge (o novo nome da JP Sá Couto). “É um projecto muito ambicioso, porque pela primeira vez está a ser usado no 1.º ano”, diz a directora, Susana Vidal.

Apesar de no Colégio Monte Flor, que este ano foi distinguido pela Microsoft como uma das 80 escolas mais inovadoras do mundo, já se usarem as tecnologias na sala de aula desde 2010, nunca o tinham feito com o 1.º ano. Como nos outros anos os resultados têm sido positivos, Susana Vidal está confiante. Ainda assim, admite: “É um laboratório. Não temos a certeza de que vá resultar.”

Em Portugal, o Creative Classrooms Lab abrange 123 alunos, entre o 1.º e o 11.º anos. A experiência surge poucos anos depois da distribuição maciça de computadores portáteis feita durante o Governo de José Sócrates. Foram entregues, a um preço reduzido — ou, em alguns casos, gratuitamente —, um pouco mais de 1,4 milhões de computadores portáteis a alunos de todas as idades. Destes, cerca de 414 mil foram os conhecidos Magalhães e 81 mil portáteis destinaram-se a professores. Para além disto, o Governo equipou escolas com computadores e ligações de banda larga.

De acordo com dados do INE, compilados pela Pordata (um serviço de estatísticas da Fundação Francisco Manuel dos Santos), 30% dos alunos do ensino básico usavam um computador em 2008, ano em que foi feita a primeira distribuição de Magalhães. No secundário, eram 90%. Em 2011, o último em que funcionou aquele programa de distribuição, os valores tinham subido para os 41% e os 95%. No ano passado, 45% dos alunos do básico tinham acesso a um computador, aparelho que chegava às mãos de 96% dos estudantes do secundário.

O responsável pelos Recursos e Tecnologias Educativas da Direcção-Geral da Educação, José Moura Carvalho, explica que a distribuição de Magalhães e demais portáteis foi feita num modelo muito diferente do que agora está a ser testado com os tablets. Naquela iniciativa, as escolas não tinham regras que obrigassem a que as crianças e jovens os levassem para as aulas. Já os tablets deste projecto-piloto fazem parte integrante do material de ensino. Além disso, observa, estes aparelhos têm vantagens face aos computadores: são mais facilmente transportáveis e têm uma bateria que dura muito mais tempo.

O ministro da Educação, Nuno Crato, já ressalvou que não existe um plano nacional para levar estes equipamentos às escolas e continua a defender que, “no centro de tudo, está o saber bem, saber escrever, saber História, saber contar”. Em Janeiro, reconheceu, questionado pelo PÚBLICO, que era um crítico dos Magalhães, porque “não havia conteúdos, não havia uma estratégia” para os utilizar nas escolas. Admitiu, porém, que a escola do futuro terá mais tecnologia. 

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Alunos do 1.º ano do Colégio Monte Flor, em Carnaxide, fazem exercícios com o computador Daniel Rocha

Um tema com muitas incógnitas

O uso de tecnologias da informação nas escolas não é um tema consensual. Os aspectos a considerar são imensos. É mais fácil ler num papel ou num ecrã? Os alunos distraem-se demasiado com a Internet? Há conteúdos digitais adequados? Os professores sabem usá-los? O acesso à tecnologia vai aumentar ou reduzir o fosso entre crianças e jovens de estratos sociais diferentes?

José Moura Carvalho reconhece que há vários obstáculos no uso de tecnologias de informação nas salas de aula. O primeiro deles, diz, é a infra-estrutura necessária para ter salas inteiras com dezenas de alunos ligados em simultâneo à Internet. “Temos banda larga suficiente?”, questiona. Nesta semana, surgiu uma resposta clara: o Ministério da Educação limitou o acesso a sites como o Facebook e o YouTube, porque a utilização consumia muita largura de banda. A tutela afirmou ter havido uma “saturação” da rede nos estabelecimentos de ensino públicos nos dois primeiros meses do ano, em determinados horários. Alterações que estão a ser feitas na infra-estrutura deverão duplicar a largura de banda nas escolas.

Um segundo problema são os conteúdos. “Será que existem conteúdos que cobrem todas as áreas curriculares e níveis de ensino?”, questiona novamente Moura Carvalho, antes de dar a resposta: “Difícil. As empresas na área dão passos muito titubeantes.” Isto acontece, pelo menos em parte, porque estão preocupadas com a pirataria de manuais e outros conteúdos pedagógicos em formato digital.

Além de tudo isto, é preciso dar formação aos professores. “O Plano Tecnológico da Educação [do Governo de Sócrates] tinha aquelas três vertentes: de equipamento, formação e conteúdos. A vertente de equipamento funcionou bem. Funcionaram menos bem as outras. Já não houve dinheiro para fazer mais formação”, explica Moura Carvalho, notando que isto leva a que haja equipamentos desaproveitados. “Os portáteis e os Magalhães foram pouco usados. Os quadros interactivos são pouco usados. Alguns equipamentos que custaram bastante dinheiro não estão a ser usados.”

O investigador Luís Pereira, autor do livro Literacia Digital e Políticas Tecnológicas para a Educação (escrito com base numa tese de doutoramento na Universidade do Minho), avisa para o risco de um deslumbramento com a tecnologia, que pode acabar por ser contraproducente. “Atribuímos um grande poder à tecnologia. Achamos que pelo facto de termos um ecrã aquilo vai ensinar. Quando levamos a tecnologia para a sala de aulas, encontramos muitas dificuldades. A primeira é uma certa frustração [por parte dos professores]. Cria muitos ruídos. A bateria falha ou a Internet falha, por exemplo. E quando se utiliza a Internet, é difícil ter a atenção dos alunos.”

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A escola de Carnaxide usa a tecnologia nas salas de aula desde 2010 Daniel Rocha

Luís Pereira — que já foi professor e também já deu formação a outros professores — observa que as expectativas dos alunos quando se trata de tecnologias de informação são altas e que isso coloca pressão sobre os professores. “Fazer um bom Powerpoint demora muito tempo e às vezes não vale a pena. Os professores precisam de chegar a casa e ter as suas vidas.”

O investigador é também crítico da actuação política neste campo, que diz ser orientada para a obtenção de resultados demasiado rápidos. “O tempo da política é muito curto. Um Governo é eleito por quatro anos. Demora um ano a definir a política, tem dois anos de tempo útil e no último ano quer colher os frutos.” Por cima disto, há a estratégia de cortar com o plano dos antecessores: “Quando vem um novo Governo, tem de mudar tudo. Há uma vontade de não ficar colado ao que foi feito. Na educação, passámos do estridente para o silêncio.”

Embora aponte medidas positivas neste campo, como o Plano Tecnológico da Educação e a Rede de Bibliotecas Escolares, Luís Pereira afirma que “as políticas têm-se centrado em levar os materiais” até aos alunos. “Mas a verdade é que, se tivermos como fim apenas dar acesso, acabamos por esquecer todas as outras estratégias. A Internet não é uma poção mágica. Implica da parte do professor uma preparação. É preciso encontrar conteúdos e saber utilizá-los.” Por outro lado, refere, “o nativo digital é uma metáfora brilhante, mas perigosa. As pessoas vão crescendo com as tecnologias, mas isso não faz delas automaticamente criadores de conteúdos, que saibam fazer tudo bem feito”.

José Moura Carvalho, da Direcção-Geral de Educação, admite “uma série de variáveis complicadas, nomeadamente a crise em que vivemos”. Mas diz que, “do ponto de vista dos alunos, se lhes déssemos tablets e fizéssemos formação de professores, isto [a massificação da tecnologia nas aulas] acontecia em dois segundos”.

Também Manuel Carmelo Rosa, director do serviço de Educação e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian, sublinha a importância da formação. “A distribuição sem preparação não conduz necessariamente a melhorias na aprendizagem. O Magalhães não representou por si só uma melhoria da aprendizagem, porque os professores não foram formados para os utilizar”, critica.

Em colaboração com o Ministério da Educação, a Gulbenkian está a preparar-se para arrancar com projectos-piloto de utilização de tecnologias de informação em salas de aula. Num deles, serão acompanhados alunos do 3.º ao 6.º ano de escolaridade. “Vamos começar no 3.º ano porque não queremos perturbar as actividades mais básicas”, explica Carmelo Rosa. “Mas era uma questão de adaptar as tecnologias. Até podem ser úteis no pré-escolar, onde não há propriamente uma aprendizagem formal”, refere. 

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A EB1/Jardim de Infância do Mosteiro, em S. Torcato (Guimarães), foi a primeira escola pública a receber mesas interactivas Fernando Veludo/Nfactos

Tecnologia para necessidades especiais

Em vários níveis de ensino, de diferentes escolas do país, estão a ser feitas experiências com tablets, quadros interactivos e outras tecnologias. A escola EB1/Jardim de Infância do Mosteiro, em S. Torcato, Guimarães, por exemplo, foi o primeiro estabelecimento de ensino público a receber mesas interactivas.

Nesta escola, os docentes destacam a importância que as tecnologias podem ter junto de alunos com necessidades educativas especiais. É o caso de Luís (nome fictício), que sofre de síndrome de Smith-Magenis, uma doença genética que provoca atraso motor e da fala. São poucas as palavras que a criança, de quatro anos, consegue articular. Mas a sua postura de apatia muda para um entusiasmo que contagia numa questão de segundos. Basta-lhe olhar para a carteira no momento em que o ecrã táctil inicia o sistema operativo. Aponta para a mesa, senta-se na cadeira e espera, pacientemente, enquanto a auxiliar inicia o programa de desenho.

A professora pergunta-lhe o que quer desenhar. Luís faz um círculo com as mãos. É o sinal do Sol, o primeiro dos desenhos que faz na mesa táctil instalada há poucas semanas na escola. Pouco tempo depois, haverá flores de muitas cores na folha de desenho digital. E uma birra insistente quando for a altura de desligar os computadores.

As mãos de Luís desenham sobre uma das cinco mesas interactivas que a Câmara de Guimarães instalou na escola, no mês passado. Estão na sala usada pela professora do ensino especial e são utilizadas, preferencialmente, por alunos com necessidades educativas especiais.

Os professores tinham dificuldades em encontrar estímulos capazes de cativar estas crianças. Luís está agora a começar a ter prazer em desenhar. Talvez dentro de algum tempo possa escrever o nome no mesmo ecrã, como o colega da mesa ao lado, um pouco mais velho. As mesas interactivas prestam-se a esse uso: são reguláveis em altura, adaptando-se às características físicas de cada utilizador, e os alunos com dificuldades motoras também podem usá-las de forma alternativa, activando os dispositivos com outras partes do corpo que não as mãos ou com um apontador.

A escola EB1 do Mosteiro tem quase 150 alunos e faz parte do Agrupamento de Escolas de S. Torcato, zona rural do concelho de Guimarães. O agrupamento está classificado como território educativo de intervenção prioritária devido ao perfil de carências socioeconómicas da população. As novas carteiras — juntamente com os quadros interactivos — chegaram no final do mês passado à escola e fazem parte de uma iniciativa da autarquia vimaranense mais abrangente, que foi financiada com fundos comunitários.

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No Jardim de Infância do Mosteiro os professores tinham dificuldades em cativar as crianças. A tecnologia veio ajudar Fernando Veludo/Nfactos

O objectivo da câmara é dotar dez centros escolares do concelho de equipamentos tecnológicos, servindo uma população de cerca de 7500 alunos. Mas a intenção “não é só colocar os dispositivos”, explica a vereadora da Educação, Adelina Paula Pinto. O município vai também dar formação aos professores do 1.º ciclo e tem em marcha um projecto de investigação — em parceria com a Universidade do Minho e o Centro de Formação de Professores Francisco de Holanda — que pretende conhecer como são utilizados estes dispositivos em contexto de sala de aula. “Sabemos que muitas vezes eles são só quadros brancos onde se podem projectar coisas”, admite a vereadora, que até ao ano passado era também professora no ensino básico. Daí que a autarquia queira perceber se os professores do concelho aproveitam as potencialidades dos dispositivos tecnológicos, admitindo, eventualmente, dar formação de reforço.

Estas mesas interactivas foram desenvolvidas pela Nautilus, empresa de mobiliário escolar e de escritório, sediada no Norte do país, e que, desde 2006, desenvolve soluções que permitem levar a tecnologia às escolas. O grupo foi também responsável pelos quadros multimédia NetBoard, que, tal como as mesas UNI_NET, foram galardoados com o prémio mundial para a inovação da educação Worlddidac Award.

A firma desenvolve o mobiliário — neste caso um suporte metálico regulável em altura — onde são acoplados equipamentos de hardware existentes no mercado. “O que nós fazemos, a partir daquilo que o mercado pede, é oferecer condições para adaptar as tecnologias às necessidades das comunidades educativas”, explica Gil Margarido, responsável pela empresa.

Uma das vantagens destas mesas interactivas é que o ecrã, sendo táctil, facilita a interactividade e, como estão ligadas ao quadro multimédia, podem também ser um recurso para trabalhos de grupo. Essa é também uma possibilidade aberta na escola de S. Torcato, embora os novos equipamentos estejam nas primeiras semanas de utilização sobretudo ao serviço do ensino especial.

Na sala do 2.º ano, instala-se um burburinho quando a professora inicia o jogo de Matemática que pede aos alunos que ordenem números por ordem crescente. Todos querem ir ao quadro pegar “naquela caneta que aponta”, como a apresenta Helena, sete anos. “Às vezes, a professora também põe histórias para nós ouvirmos”, conta.

Em diferentes escolas, os docentes identificam várias potencialidades no uso das tecnologias. No caso do projecto Creative Classrooms Lab, pretende-se introduzir as tecnologias associadas a modelos pedagógicos concretos. Primeiro, cada aluno tem de ter acesso a um portátil, tablet ou smartphone. O projecto assenta no conceito de flipped classroom — em português, sala de aula invertida. Implica que os alunos tenham um primeiro contacto com conteúdos de diferentes disciplinas em casa, vendo, por exemplo, vídeos ou outros recursos que existam na Internet. Depois, na sala de aula, esclarecem dúvidas com o professor ou trabalham em equipa. “Em casa, podem ver os conteúdos várias vezes, têm tempo para reflectir sobre o que viram e podem ter logo exercícios para treinar. E o professor pode preocupar-se mais com os que não perceberam”, explica o professor Rui Lima.

Apesar de, no Colégio Monte Flor, o professor ter liberdade para usar os computadores e tablets de várias formas, quando se trata de aplicar o modelo do Creative Classrooms Lab deve atender-se ainda a uma dinâmica própria de aprendizagem que implica os seguintes passos: Sonha, Explora, Planeia, Faz, Pergunta, Refaz, Mostra.

Rui Lima explica que o primeiro passo — “Sonha” — é a escolha do tema. O segundo — “Explora” — põe em prática o conceito flipped classroom e é o momento em que as crianças vão aprender em casa. Segue-se o “Planeia”: regressam à sala de aula e decidem como vão fazer o trabalho e quem o vai apresentar. “Faz” é a execução do que planearam e a ocasião em que o professor aproveita para partilhar mais conteúdos, como por exemplo vídeos. Depois, quando já têm “um protótipo” do que querem apresentar, entram na fase do “Pergunta”. Aqui, podem convidar alguém exterior à escola para fazer uma primeira avaliação do projecto. Já foram ao colégio pais, um dentista, um polícia… “A ideia é perguntarem se o trabalho está bem feito e as pessoas vão dizendo que aqui está, ali não, aqui podes fazer melhor…”. Depois chega a fase do “Refaz” e, finalmente, o “Mostra”: “Apresentam à turma deles, a outra turma ou, por vezes, à escola”, explica o professor. 

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Quando levamos a tecnologia para a sala de aulas, encontramos muitas dificuldades, argumenta o investigador Luis Pereira Daniel Rocha

Revolução são métodos antigos

Na turma do 2.º ano, algumas crianças fazem desenhos no Freshpaint. Madalena, de sete anos, toca no ecrã, com uma caneta própria, e escolhe uma cor, entre as várias que compõem a paleta: “Vou fazer uma pessoa com um saco do lixo na mão para ir deitar aos contentores”, diz. Outros miúdos põem a palavra “tagxedo” no Google. “É uma ferramenta da Internet que dá para fazer nuvens de palavras”, explica a professora, Carolina Neves, de 29 anos.

No quadro estão escritos cinco tópicos: infuse; desenho; horas; itinerários; tagxedo. Ninguém escolheu o primeiro, porque implica fazer um teste: “É o infuse learning. É de avaliação. Eu lanço um teste nessa ferramenta, eles respondem a questões e eu recebo automaticamente os resultados”, explica a docente.

Apesar de toda “a revolução tecnológica” — expressão da directora —, nas salas de aulas do colégio Monte Flor há indícios dos velhos métodos de ensino: dossiers nas prateleiras, estojos em cima das mesas, cartazes nas paredes, cadernos diários. Os professores garantem que não dispensam os manuais, os livros, os lápis e as canetas. “Até os cadernos caligráficos antigos usamos. Tenho gosto em que eles tenham uma letra bonita. Nós aqui não cortámos com o passado. Não somos uma escola sem papel. Continuamos a usar os livros, eles lêem. Ainda hoje estive a contar uma história e eles gostam de manusear os livros. Mas também sinto que a escola não deve evitar o progresso”, defende Rui Lima. E dá como exemplo de vantagens das tecnologias para a aprendizagem as aulas de anatomia: “Se explico um conteúdo e, depois, eles podem ver na Net o coração a bater e os pulmões a funcionar, isto ajuda à compreensão.”

Os efeitos da leitura num ecrã é um dos aspectos da utilização de tecnologias que têm sido alvo de investigação académica. Por exemplo, uma experiência feita por investigadores da Universidade de Stavanger, na Noruega, reflecte, entre outros factores, sobre a importância do scroll na compreensão de um texto, por oposição ao folhear do papel.

Nesta experiência, a equipa de três investigadores queria avaliar as eventuais diferenças de apreensão de um texto linear (ou seja, sem hiperlinks, uma funcionalidade típica da Internet e de conteúdos digitais). Para isso, fez com que dois grupos de alunos do 10.º ano lessem os mesmos dois textos (um de 1400 palavras, o outro de 2000). Um dos grupos fez a leitura em papel, ao passo que os outros usaram um computador. A compreensão dos textos foi de seguida avaliada com recurso a testes.

No artigo resultante desta experiência, com o título “Ler textos lineares em papel vs. o ecrã do computador: efeitos na compreensão da leitura”, os investigadores concluem que os alunos que tinham lido em papel apreenderam melhor o texto. A equipa teoriza sobre as razões para isto e adianta uma hipótese: o facto de as palavras ocuparem um espaço definido numa página (no topo à direita, por exemplo) pode ajudar à compreensão. “Ao ler num ecrã, o scroll é inevitável, a não ser que o texto seja do tamanho do ecrã. Sabe-se que fazer scroll restringe o processo de leitura, ao impor uma instabilidade espacial que pode afectar negativamente a representação mental do texto por parte do leitor e, consequentemente, a compreensão.”

Já uma compilação do trabalho de investigação nesta área feita pelo Observatório dos Recursos Educativos (uma entidade independente apoiada pela Porto Editora, que edita manuais escolares) recorre ao trabalho da cientista Karin James, da Universidade do Indiana, nos EUA, para escrever: “Quando se lê no papel, e sobretudo quando se trata de livros, criam-se mapas mentais do que se lê, semelhantes aos da planta de uma casa ou de uma carta topográfica. Daí derivam sensações que estimulam a leitura, como a percepção do percorrido e por percorrer (o célebre marcador de página) ou a visão panorâmica que não ocorre no digital em que as páginas se sucedem umas às outras, ‘desaparecendo da visão do leitor’. A memorização do lido é também maior na leitura em papel porque a mente humana traça imagens das páginas e é, sobretudo, nelas que recupera informação.”

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Na escola de Carnaxide há um arquivo digital de todos os temas abordados na sala de aula Daniel Rocha

Várias empresas têm-se esforçado por levar a tecnologia para as salas de aula. A Microsoft é uma das que participam em projectos educativos à escala global e que, em Portugal, colabora com as iniciativas do Ministério da Educação. A directora para a área da educação, Vânia Neto, argumenta que as crianças e jovens “já estão habituados” a usar as tecnologias de informação e que não as colocar na sala de aula seria criar “um ambiente completamente diferente”. Os computadores e tablets “são um material escolar”, afirma. “Manter a ideia de que os computadores são prejudiciais à sala de aula não é correcta.”

Rui Lima, do Colégio Monte Flor, já foi premiado pela Microsoft em 2011 num concurso de professores inovadores e é conhecido como o “professor tecnológico”. Mas dispensa o epíteto: “Não gosto que me digam isso, porque o computador é só uma ferramenta”, esclarece. Apesar disso, não tem dúvidas da inevitabilidade de introduzir as tecnologias na sala de aula: “Os alunos do século XXI já não se identificam com a ardósia, são crianças do tempo delas.” Frisa que as tecnologias permitem trabalhar quatro competências — a colaboração, o pensamento crítico, a criatividade e a comunicação: “É uma aprendizagem mais interactiva e mais colaborativa, entre eles e entre eles e o professor”, diz, enquanto no quadro interactivo surge mais uma ferramenta que permite pontuar os alunos pelo bom e mau desempenho. Ao lado dos nomes das crianças, surgem tópicos como “leitura”, “ajudou os outros”, “amigo do ambiente” ou, então, “chegou atrasado”, “desorganização”, “desrespeitou o colega”. Os alunos vão somando bons ou maus pontos e os pais recebem os resultados no email.

As tecnologias servem também para envolver os pais, diz a directora do Colégio Monte Flor. E cita como exemplo o Weduc, uma rede social das escolas, da qual os pais fazem parte e na qual partilham comentários sobre as actividades dos filhos. “Os professores vão colocando fotos, resumos dos projectos na sala de aula e vídeos explicativos sobre a matéria”, conta.

A docente Carolina Neves, do Colégio Monte Flor, diz que é difícil contabilizar quantas horas é que as crianças dedicam aos computadores e quantas trabalham com os métodos tradicionais. “Depende das semanas. Os computadores são mais usados para iniciação das aprendizagens, para alguma matéria. Conseguem fazer esse trabalho em casa, através da escola virtual, uma plataforma da Porto Editora [outra das parceiras do projecto], que tem sequências de aprendizagens, animações e exercícios interactivos”, explica.

Por vezes, nas aulas, eles estão divididos em grupo e, enquanto uns estão a trabalhar com os computadores, a fazer filmes com voz e imagens, através do programa Photostory, outros põem as mãos em cartolinas e constroem jogos com embalagens de iogurtes, de leite, caixas de ovos.

Alguns destes miúdos já chegaram ao 1.º ano familiarizados com tablets. Marta, de seis anos, por exemplo, tem um só para ela em casa. E embora alguns, como Sara, da mesma idade, prefiram desenhar em papel com lápis, muitos gostam mais de mexer nos tablets. É o caso de Matias: “Prefiro o tablet. É touch e posso instalar coisas, no papel não se pode. Gosto de estar a mexer no tablet e conhecer novas coisas, vejo vídeos, jogo jogos”, conta. Ester, oito anos, também prefere o tablet, porque pode “trabalhar no Photostory e noutros programas”.

Os dois professores do Colégio Monte Flor, que tiveram formação no âmbito do Creative Classrooms Lab, garantem que, de uma forma geral, os alunos se sentem mais estimulados quando trabalham num computador ou tablet. “Não sinto que se distraiam mais, é muito motivador para eles”, garante Carolina Neves. A única situação em que se distraem, acrescenta, é se uns estiverem a fazer actividades no papel e outros no ecrã: “Se uns estiverem com uma ficha e outros com computador, os da ficha vão espreitar para o computador, é mais interessante e apelativo”, justifica.

Tanto Rui Lima como Carolina Neves dizem ainda que, em contexto de sala de aula, os alunos preferem muitas vezes usar o Magalhães em versão computador, com teclado: “Quando são jogos matemáticos, de carregar ou arrastar, usam na versão tablet”, explica Rui Lima, que também não nota que as crianças se distraiam mais com o computador ou tablet. “Mais difícil é tê-los muito tempo a ouvir uma só pessoa”, acrescenta. Admite, no entanto, que estas crianças, por serem pequenas e menos autónomas na sala de aula, ainda não se aventuram muito pela Internet. Por exemplo, apesar de terem email e de irem ao YouTube ver os vídeos que o professor lá põe, não têm Facebook.

Sara Palma, 16 anos e aluna do 11.º ano da Escola Quinta do Marquês, em Oeiras, reconhece, porém, que os tablets podem ser uma distracção, porque lhes dão acesso à Internet. Há mesmo alguns professores que, por vezes, quando estão a explicar uma matéria, lhes pedem que os desliguem. Ainda assim, a aluna identifica como aspectos positivos o facto de poderem ir à Net quando têm alguma dúvida, poderem fazer pesquisas e andarem menos carregados, porque muitos materiais passam a estar guardados no tablet.

“O mundo mudou muito em dez anos. Eu comecei a dar aulas há 13 e já mudou tanto. As crianças estão habituadas a estímulos visuais e a interacção. Há cada vez menos lugar para o tradicional, embora no 1.º ano seja diferente, tem de ser mais tradicional”, justifica o professor Rui Lima, já que esta etapa implica que as crianças aprendam, por exemplo, a desenhar letras.

A professora da escola de S. Torcato, Clara Freitas, também vê benefícios na introdução das tecnologias. Apesar de terem passado poucas semanas desde que o dispositivo foi instalado e de “ainda estar a aprender” a usar o quadro interactivo, já o considera “uma vantagem”. Os miúdos confirmam. “Agora é muito mais fixe e podemos fazer muito mais coisas”, diz Rodrigo. As aulas “são diferentes”, acrescenta. Diferentes como? “Para melhor.” Eles estão sempre a pedir coisas mais apelativas, conta a professora. Sem esta possibilidade, seria muito difícil despertar-lhes a atenção: “Quase todos têm tablets e computadores em casa e nós temos de os cativar”, explica. Antigamente, se fizesse um cartaz em cartolina para explicar alguma matéria, tinha “uma maravilha de uma aula”. Hoje sabe que, se optasse por esse recurso, “eles não ligavam nenhuma”.

No quadro interactivo do “professor tecnológico” Rui Lima, em Carnaxide, surge um “arquivo” com todos os materiais abordados na sala de aula. Trata-se do OneNote, ferramenta que o docente usa para partilhar os conteúdos dados nas aulas: “Através desta ferramenta do Office, temos um bloco de notas que funciona como um arquivo. Todos os conteúdos que trabalhamos na sala de aula vão para este bloco que está ligado à nuvem [à Internet] e eles em casa têm acesso”, explica.

Estão lá as pastas de Matemática, de Português, do Estudo do Meio, de Expressão Plástica. Até as músicas que os miúdos ouvem para aprender as letras. O professor carrega no play. De repente, começa a ouvir-se na sala de aula uma canção que ensina o alfabeto: “A tinta que às vezes deita/ não é tinta para escrever/ se tem inimigo à espreita/ com ela se quer defender.” Os miúdos arrebitam logo a orelha e começam a cantar ao mesmo tempo. Sabem tudo de cor. Mas já chega, o docente carrega no stop. A aula está no fim. Quando os alunos saem, o professor espreita o telemóvel. “Já aqui tenho os desenhos deles.”

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Este ano, o Colégio Monte Flo foi distinguido pela Microsoft como uma das 80 escolas mais inovadoras do mundo Daniel Rocha
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