A batalha mais difícil

Roubo este título ao livro Mapa Sentimental (Editora Aguilar, Madrid, 2012), do meu amigo Javier Urra. Psicólogo clínico e forense, Javier tem dedicado a sua vida à defesa dos direitos das crianças e à intervenção junto de jovens com problemas comportamentais. É autor de vários livros, alguns publicados em Portugal, que se recomendam pela abordagem ética dos problemas dos mais novos e das suas famílias.

No livro Mapa Sentimental, Javier Urra defende que a estabilidade emocional se alcança através do conhecimento aprofundado dos próprios sentimentos e da responsabilização pelas acções de cada um. Através do autocontrolo, atingimos a segurança emocional, essencial para consolidarmos uma boa saúde mental. 

Javier Urra, a propósito da “batalha mais difícil”, cita Napoleão Bonaparte, que afirmou: “Tenho-a todos os dias comigo mesmo.” E assinala como essenciais o compromisso, a responsabilidade e o vínculo, para a construção de relações humanas mais satisfatórias.

Releio Urra enquanto termino o meu próximo livro, que trata das questões do divórcio e do papel dos tribunais. E questiono-me sobre a batalha mais difícil: nas rupturas afectivas que precedem o divórcio legal, verifico a dificuldade, nos dois elementos do casal, em se confrontarem com os seus próprios sentimentos. É como se a guerra contra o outro, em muitos casos, não fosse mais do que uma batalha perdida consigo mesmo, pelo desconhecimento dos seus sentimentos íntimos. O divórcio litigioso, no contexto do tribunal, favorece a guerra errada e não promove a descoberta privada de cada um, essencial para o necessário crescimento emocional que uma crise familiar sempre exige.

A exigência actual de um amor absoluto diminui a capacidade para lutar contra os conflitos do quotidiano dos casais, que constituem a principal causa dos divórcios. Perante um problema, tudo é posto em causa, sobretudo o amor prometido como pleno e duradouro. Esquece-se Javier Urra como o amor conjugal prolongado exige, em todos os momentos, partilha recíproca, aceitação, reconhecimento mútuo e contenção interpessoal.

Muitas separações dos nossos dias são feitas sem reflexão. Os casais em ruptura explicam de forma pouco clara os reais motivos do divórcio e demonstram padrões de imaturidade emocional, de individualismo e de narcisismo, tão frequentes nas sociedades contemporâneas. Conflitos com as famílias de origem, questões de poder e de regulação da distância modulados por questões de género, infidelidades (às vezes mais fantasiadas do que reais) e padrões de violência doméstica, num contexto de crise social, constituem o pano de fundo de muitos divórcios de hoje. A ideia com que se fica, depois de falar com muitos casais, é a de que os problemas não foram abordados com ponderação, faltou capacidade para manter uma conversa estruturada e o divórcio não foi precedido de um período mínimo de reflexão.

Quando se fala com muitos casais em conflito, compreende-se que muito pode ser feito: perceber a crise, intervir cedo, trabalhar na procura conjunta de soluções, potenciar alternativas. Este trabalho deve ser feito pelo próprio casal, em primeiro lugar: ninguém se deveria separar sem ter tentado esse diálogo com verdade e ousadia. Depois, com ajuda de amigos, mais tarde, se necessário, com a intervenção de terapeutas. 

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