2016: obrigatório investir no SNS

O SNS é o principal factor de coesão social. Investir no SNS, é investir nos portugueses.

Os últimos anos representaram para a qualidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) um retrocesso sem precedentes. Desde que foi criado que a sua sobrevivência nunca esteve tão em causa. Todos conhecemos a sua história recente. Os argumentos com base no equilíbrio das finanças públicas, no cumprimento de um memorando de entendimento e na imperiosidade da sustentabilidade do SNS, foram utilizados de forma abusiva e reiterada para justificar os cortes excessivos no financiamento da Saúde, e cujas consequências são cada vez mais visíveis. De resto, os resultados do inquérito do Euro Health Consumer Index 2015 não deixam margens para dúvidas. Um "tombo" de Portugal no ranking internacional, caindo do 13º para o 20.º lugar.

A situação dir-se-á que não é fácil de recuperar. Ficaram as feridas, mais ou menos profundas, num SNS que já foi considerado um exemplo para muitos países por esse mundo fora. A nova missão para a Saúde tem de passar necessariamente por reanimar a qualidade e a humanização dos cuidados de saúde. Para atingir estes objectivos é necessário concentrar energias na organização e planeamento. Mas não é suficiente. É preciso investir mais em Saúde. Mais no orçamento de Estado. Mais na promoção da saúde. Mais na prevenção. Mais no envelhecimento activo. Mais na educação para a saúde. Mais nas pessoas. Não vamos lá apenas com neutralidade orçamental.

A falta de profissionais de Saúde é apenas uma das facetas do problema actual do SNS. E provavelmente a mais importante. É frequente ouvirmos na comunicação social que em Portugal existem 4,3 médicos por mil habitantes. Um valor que nos coloca próximo dos países da OCDE com mais médicos per capita. Dito desta forma até parece contraditório. Afinal não há falta de médicos! Mas, o que justifica a percepção que paira na sociedade civil de que existe falta de médicos. Será que cada português quer ter um médico à porta de casa? Será que os médicos são uns malandros e não querem trabalhar? Será que as percepções dos portugueses não estão bem aferidas? Em que é que ficamos, a falta de médicos é um mito ou uma realidade?

Quando falamos de falta de médicos estamos sempre a falar do SNS. Nunca do sector privado ou social. E quantos médicos trabalham no SNS? De acordo com os números mais recentes apresentados e publicados pela ACSS trabalham no SNS 26.900 médicos, isto é, cerca de 2,6 médicos por mil habitantes. E destes, quase 9.000 são médicos em formação especializada (internos) com todas as limitações daí decorrentes. Nesta perspectiva, Portugal passaria a ocupar a cauda dos países da OCDE junto daqueles que menos médicos têm per capita. E esta é a realidade no SNS, que os políticos e respectivos comentadores teimam em não entender. Há falta de médicos no SNS. Mas existem milhares de médicos em Portugal fora do sector público que permitiriam resolver a principal faceta negativa do nosso SNS. Milhares aposentaram-se de forma antecipada e outros tantos trabalham apenas no sector privado. E não estamos aqui a entrar em linha de conta com as centenas de médicos que anualmente emigram. Haja vontade política e orçamento adequado e o SNS pode ter os médicos de que necessita.

Não vale a pena continuar a enganar as pessoas. Assuma-se de uma vez por todas a realidade. Tratem os profissionais de saúde com dignidade. Ofereçam boas condições de trabalho. Atribuam remunerações de acordo com a elevada responsabilidade que os profissionais de saúde têm na sociedade civil. Criem verdadeiros incentivos que permitam a todos os profissionais a fixação em áreas mais desfavorecidas. E sobretudo respeitem as pessoas.

Nos últimos anos, o orçamento do Estado para a Saúde foi reduzido de forma drástica, tendo atingido o valor recorde de 5,9% do PIB. Um valor que teve consequências nefastas e conhecidas ao nível da qualidade dos cuidados de saúde. Que só não assumiu consequências mais graves, graças ao elevado sentido de responsabilidade e dedicação de muitos profissionais de saúde, que colocaram o seu conhecimento e os valores éticos e deontológicos ao serviço dos seus doentes.

Depois de tantos cortes cegos, de tantos disparates, de tantas reduções, 2016 tem de ser um ano de viragem, um ano de investimento. Investimento nas pessoas, nos jovens, na investigação, no conhecimento. Investimento na educação, na justiça social, na solidariedade. Investimento no combate ao desperdício e à corrupção. Investimento na reaprendizagem a viver num mundo sem medo.

O SNS é o principal factor de coesão social. Investir no SNS, é investir nos portugueses. Na sua saúde, na sua economia, na sua qualidade de vida, na sua educação, na sua solidariedade. Não é por acaso que nos milhões de mensagens de Ano Novo a palavra saúde está sempre em primeiro lugar. Mesmo acima de valores supremos que consideramos intocáveis.

Diz a sabedoria popular que não se fazem omeletes sem ovos. O novo Governo vai ter de investir mais na Saúde e nas pessoas. No encerramento do Congresso Nacional de Medicina no Porto, o ministro Adalberto Campos Fernandes deu um sinal positivo do que poderá ser o seu mandato ao afirmar que "um Serviço Nacional de Saúde de qualidade constitui um pré-requisito fundamental para uma sociedade mais justa e mais equilibrada" e assegurando que "a prioridade às pessoas vai ser o traço identitário da acção governativa".

Esperemos que o ano 2016 fique conhecido como o ano de viragem, o ano de investimento no SNS. Só assim será possível inverter o ciclo negativo dos últimos anos e reanimar a qualidade e humanização dos cuidados de saúde.

Presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

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