Uma facada no coração

Como Não Morrer de Fome em Portugal é o mais divertido, original e verdadeiro retrato de Portugal e dos portugueses que conheço.

Uma pessoa rir-se e ficar ofendida ao mesmo tempo produz uma sensação maravilhosa e desconcertante de surpresa. O tempo pára para podermos absorver o choque da contradição. Acontece quando alguém nos chama uma coisa tão má que, enquanto nos sentimos insultados, admiramos a desfaçatez de quem nos insulta e a violência do insulto.

Uma pessoa rir-se, ficar ofendida e, ao mesmo tempo, comovida é ainda mais estranho. Foi o que me aconteceu quando li, pela primeira vez, Como Não Morrer de Fome em Portugal de Lucy Pepper.

Lucy Pepper vê tudo a rir mas com um grau de observação tão rigoroso que é impossível rebatê-la. Não só não tem medo de nada ou de ninguém como acha ridículo o respeito que nós os portugueses temos pelas nossas coisinhas.

O livro demonstra, hilariantemente, que muitas das coisas que nós consideramos portuguesíssimas são vulgares em todo o mundo e que muitas daquelas coisas das quais mais nos orgulhamos são horrendas.

Ela apanha-nos bem apanhados – já os desenhos dela mostram a mesma impiedosa mistura de troça e ternura – mas também se deixa apanhar por Portugal. Prestar tanta atenção às nossas coisas, manias e maneiras de ser não é saudável mas produz resultados magníficos.

Como Não Morrer de Fome em Portugal é o mais divertido, original e verdadeiro retrato de Portugal e dos portugueses que conheço. Como é um retrato vivido tem uma autenticidade que chega a ser dramática e comovente. E nunca mais se pode olhar para a comida portuguesa da mesma maneira... 

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