Supremo decide mega-amnistia

Oito anos de omissão legislativa, entre 1988 e 1995, tiveram o mérito de arquivar alguns dos processos mais mediáticos da última década. Depois de há dois anos ter considerado que o interrogatório de arguido pelo Ministério Público não interrompia a prescrição, o pleno da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça considerou ontem que também não tem força interruptiva o interrogatório pelo juiz de instrução. Trata-se de uma decisão que implica o arquivamento de processos como os da Partex, da UGT, da Caixa Económica Faialense e do Aquaparque.

É o fim de um ciclo. A maioria dos conselheiros da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça decidiu ontem que o interrogatório de arguido perante o juiz de instrução criminal não interrompe a prescrição do procedimento criminal. A decisão tem grandes implicações: vão ser arquivados megaprocessos de grande relevância como os que envolvem a UGT ou a Partex, ou o da morte de duas crianças no Aquaparque. Ao decidirem como decidiram, os conselheiros acabaram, na prática, por decretar uma espécie de mega-amnistia. Um perdão que em breve poderá ser ampliado para aqueles que foram punidos com coimas, algumas de muitas dezenas de milhares de contos, e não se conformaram, recorrendo da decisão da autoridade administrativa para os tribunais. Como a Lei das Contra-Ordenações (LCO) previa prazos curtos para a prescrição, de um ano para as coimas inferiores a 750 contos e de dois anos para as superiores àquela quantia, tudo se conjuga para que o Supremo também declare prescritos numerosos processos de contra-ordenações, em que estão em causa coimas ascendendo a muitas centenas de milhares de contos. Devem vir a entender que há lacunas na LCO e que, assim sendo, deve aplicar-se subsidiariamente o regime de prescrições do Código Penal, que determina a extinção do procedimento criminal ao fim de 18 meses e de três anos, consoante as coimas sejam inferiores ou superiores a 750 contos."Os juízes limitam-se a aplicar a lei e não têm culpa da ambiguidade ou das omissões do legislador", realçou um conselheiro do STJ, em declarações ao PÚBLICO. Na verdade, outro destino teriam aqueles e outros megaprocessos se, em 1987, o Governo de então e o poder legislativo, leia-se Assembleia da República, tivessem sido mais cuidadosos e não tivessem cometido o que hoje é classificado como "um grande erro legislativo".Naquele ano foi revisto o Código de Processo Penal (CPP), que entrou em vigor em Janeiro de 1988, e não foram acauteladas as situações de interrupção e de suspensão da prescrição estabelecidas na legislação revogada. Estes institutos eram regulados pelo Código Penal que, entre 1988 e 1995, se mantiveram inalterados, quando deviam ter sido modificados para ficarem adequados às alterações introduzidas no CPP. Numa primeira fase, a omissão legislativa ia sendo ultrapassada com a chamada interpretação actualística. Há numerosos acórdãos dos tribunais superiores que deram força interruptiva e suspensiva a actos praticados pelo Ministério Público (MP) na fase de inquérito e do juiz de instrução, durante este acto destinado a validar a acusação do MP. A jurisprudência acabaria por ir sofrendo mudanças, quando surgiram os primeiros acórdãos das Relações e do Supremo a considerar que o regime legal da prescrição tinha lacunas e não tinham quaisquer efeitos sobre a contagem da prescrição alguns actos do MP. Em 12 de Novembro de 1998, um assento do Supremo Tribunal de Justiça definiu com força obrigatória geral que os actos determinados ou praticados pelo Ministério Público não interrompiam a prescrição do procedimento criminal. Este veredicto teve o efeito de um verdadeiro perdão de penas, uma vez que implicou o arquivamento de milhares e milhares de processos pendentes e que só ainda não tinham prescrito devido à interpretação actualista do regime de prescrições previsto no Código Penal de 1982. Perante esta decisão, e para evitar o arquivamento de processos como os da UGT, da Partex e de outros casos, o poder judicial iniciou um contra-relógio. O começo do ano passado foi assinalado pela emissão de dezenas e dezenas de notificações convocando os arguidos daqueles megaprocessos para o primeiro interrogatório presidido pelo juiz de instrução. É nesta altura que, em processos que nada tinham a ver com estes casos, alguns advogados começam a contestar o efeito interruptivo daquele acto. Surgiram os primeiros acórdãos na segunda instância e ontem o Supremo Tribunal de Justiça acabou por lhes dar razão. Um dos casos mais emblemáticos que vão ser arquivados é o da Partex, relacionado com supostos ilícitos praticados por 73 arguidos individuais e 71 pessoas colectivas. A quem o MP reclamava a devolução de cerca de sete milhões de contos a preços de 1997, época em que o salário mínimo nacional era de 25.200 escudos.

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