48 anos de 25 de Abril

Uma caixa de fotografias com a Revolução lá dentro

Já vimos fotografias do 25 de Abril tantas vezes que parece que já as vimos todas. Mas não. Há uma parte do legado visual desse dia fundador que não saiu nas revistas e nos jornais, que repousa nas gavetas. É um olhar talvez mais deslumbrado e genuíno, que produziu imagens de certeza menos bem enquadradas, mas nem por isso menos poderosas. É o olhar anónimo, popular, da Revolução de Abril — como este que Félix do Nascimento Esteves decidiu agora partilhar

Já vimos fotografias do 25 de Abril tantas vezes que parece que já as vimos todas. Mas não. Há uma parte do legado visual desse dia fundador que não saiu nas revistas e nos jornais, que repousa nas gavetas. É um olhar talvez mais deslumbrado e genuíno, que produziu imagens de certeza menos bem enquadradas, mas nem por isso menos poderosas. É o olhar anónimo, popular, da Revolução de Abril — como este que Félix do Nascimento Esteves decidiu agora partilhar

O repórter acidental

Imagem de Félix Nascimento

Assim que lhe disseram que a Revolução estava na rua, de manhã cedo, Félix Esteves correu para o centro dos acontecimentos: o Terreiro do Paço. Meteu na sacola uma Yashica 1C, uma câmara que tinha comprado na viagem de regresso da Guerra Colonial, na Guiné-Bissau.

Levou todos os rolos que tinha. Ao longo do dia, esteve em vários pontos quentes da revolta, mas nas primeiras horas fotografou espaçadamente, à cautela. Até que encontrou uma estratégia para entrar dentro do perímetro de segurança dos militares: fez-se passar por jornalista. Foi assim que captou dezenas de fotografias da Revolução até agora nunca mostradas publicamente.

Largo do Carmo, ao início da tarde do dia 25 de Abril

Largo do Carmo, ao início da tarde do dia 25 de Abril

Carros de combate da coluna militar liderada por Salgueiro Maia descem a Calçada do Carmo

Carros de combate da coluna militar liderada por Salgueiro Maia descem a Calçada do Carmo

População assiste à passagem de carros militares no Largo de Camões

População assiste à passagem de carros militares no Largo de Camões

Terreiro do Paço e Rua do Arsenal

Os militares da Escola Prática de Cavalaria, comandados por Salgueiro Maia, chegaram ao Terreiro do Paço por volta das 5h45 da manhã. Vários pontos-chave da Baixa são depois cercados. É para aqui que Félix Esteves se dirige em primeiro lugar, vindo de Entrecampos.
A Rua do Arsenal e a Ribeira das Naus foram dois dos epicentros da Revolução, quando carros de combate comandados pelo brigadeiro Junqueira dos Reis ameaçavam abrir fogo sobre as forças ao comando de Salgueiro Maia. Félix do Nascimento assistiu a estes momentos de tensão, mas são escassas as imagens que captou: “Eu, nessa altura, ainda estava um pouco tímido a tirar as fotografias”.

Os militares da Escola Prática de Cavalaria, comandados por Salgueiro Maia, chegaram ao Terreiro do Paço por volta das 5h45 da manhã. Vários pontos-chave da Baixa são depois cercados. É para aqui que Félix Esteves se dirige em primeiro lugar, vindo de Entrecampos.
A Rua do Arsenal e a Ribeira das Naus foram dois dos epicentros da Revolução, quando carros de combate comandados pelo brigadeiro Junqueira dos Reis ameaçavam abrir fogo sobre as forças ao comando de Salgueiro Maia. Félix do Nascimento assistiu a estes momentos de tensão, mas são escassas as imagens que captou: “Eu, nessa altura, ainda estava um pouco tímido a tirar as fotografias”.

Fragata Gago Coutinho em frente à Praça do Comércio, que terá ameaçado a coluna militar liderada por Salgueiro Maia

Fragata Gago Coutinho em frente à Praça do Comércio, que terá ameaçado a coluna militar liderada por Salgueiro Maia

O navio terá chegado a receber ordem do vice-chefe do Estado-Maior da Armada para se preparar para abrir fogo. A ordem não chegou a ser cumprida

O navio terá chegado a receber ordem do vice-chefe do Estado-Maior da Armada "para se preparar para abrir fogo". A ordem não chegou a ser cumprida

Militares junto a um dos ministérios no Terreiro do Paço

Militares junto a um dos ministérios no Terreiro do Paço

Militares posicionados entre a Ribeira das Naus e a Rua do Arsenal

Militares posicionados entre a Ribeira das Naus e a Rua do Arsenal

Duas mulheres conversam com um militar perto do local onde o alferes miliciano Fernando Sottomayor desobedeceu às ordens e não abriu fogo contra Salgueiro Maia

Duas mulheres conversam com um militar perto do local onde o alferes miliciano Fernando Sottomayor desobedeceu às ordens e não abriu fogo contra Salgueiro Maia

Restauradores

Os Restauradores, um dos pontos nevrálgicos da cidade, acabaram por se tornar apenas num ponto de passagem dos militares no dia da Revolução. A partir daqui o trânsito sofreu várias alterações logo a partir das 07h00.

Os Restauradores, um dos pontos nevrálgicos da cidade, acabaram por se tornar apenas num ponto de passagem dos militares no dia da Revolução. A partir daqui o trânsito sofreu várias alterações logo a partir das 07h00.

Conhecem-se poucas fotografias da Praça dos Restauradores durante a Revolução. A aparente calma sugere que a imagem foi captada ainda cedo, na manhã do dia 25

Conhecem-se poucas fotografias da Praça dos Restauradores durante a Revolução. A aparente calma sugere que a imagem foi captada ainda cedo, na manhã do dia 25

Rua do Carmo

À medida que a Revolução evolui, as ruas da Baixa lisboeta enchem-se de pessoas. Em algumas artérias nevrálgicas para o avanço dos tanques, os militares impedem a circulação de carros e pessoas. Félix do Nascimento Esteves consegue furar esse cerco em alguns momentos. Na Rua do Carmo, por exemplo, regista um raro deserto de pessoas.

À medida que a Revolução evolui, as ruas da Baixa lisboeta enchem-se de pessoas. Em algumas artérias nevrálgicas para o avanço dos tanques, os militares impedem a circulação de carros e pessoas. Félix do Nascimento Esteves consegue furar esse cerco em alguns momentos. Na Rua do Carmo, por exemplo, regista um raro deserto de pessoas.

Rua do Carmo ainda vazia, com um tanque junto à entrada dos Armazéns do Chiado que estaria a dirigir-se para o Largo do Carmo

Rua do Carmo ainda vazia, com um tanque junto à entrada dos Armazéns do Chiado que estaria a dirigir-se para o Largo do Carmo

Largo do Carmo

O Largo do Carmo é coração da Revolução de Abril. Por volta das 12h30, o capitão Salgueiro Maia cerca o quartel, onde estava Marcello Caetano, o último Presidente do Conselho do Estado Novo.

O Largo do Carmo é coração da Revolução de Abril. Por volta das 12h30, o capitão Salgueiro Maia cerca o quartel, onde estava Marcello Caetano, o último Presidente do Conselho do Estado Novo.

Multidão dirige-se para o Largo do Carmo

Multidão dirige-se para o Largo do Carmo

A população distribui comida, leite e cigarros pelos militares presentes no Largo do Carmo. Às 13h30, um helicanhão causou apreensão entre militares e civis

A população distribui comida, leite e cigarros pelos militares presentes no Largo do Carmo. Às 13h30, um helicanhão causou apreensão entre militares e civis

As negociações decorreram durante a tarde, intercaladas com rajadas de tiros e ultimatos

As negociações decorreram durante a tarde, intercaladas com rajadas de tiros e ultimatos

Ao longo da tarde, são vários os momentos de tensão. Milhares de pessoas enchem as ruas em redor; árvores, candeeiros e cabines telefónicas servem de miradouros para o que se estava a passar. Aqui, Félix Esteves capta várias vezes o capitão Salgueiro Maia e consegue entrar dentro do perímetro de segurança.

Salgueiro Maia ordena a colocação de um blindado em posição de tiro

A coluna militar chegou ao Carmo ao final da manhã e às 15h15 Salgueiro Maia informou os ocupantes do quartel que têm 10 minutos para se renderem

A coluna militar chegou ao Carmo ao final da manhã e às 15h15 Salgueiro Maia informou os ocupantes do quartel que têm 10 minutos para se renderem

O capitão, com um megafone na mão, durante uma das várias tentativas de diálogo. Entre as 15h30 e 16h15 houve duas rajadas de tiros

O capitão, com um megafone na mão, durante uma das várias tentativas de diálogo. Entre as 15h30 e 16h15 houve duas rajadas de tiros

Da esquerda para a direita, João Oliveira da Silva, Salgueiro Maia, João Soares e Pedro Coelho, um dos fundadores do PS

Da esquerda para a direita, João Oliveira da Silva, Salgueiro Maia, João Soares e Pedro Coelho, um dos fundadores do PS

“Aquele é PIDE!”

Num dia em que qualquer faísca podia provocar um grande incêndio, também qualquer acusação atirada para o ar podia provocar uma tragédia. Se alguém fosse apontado como sendo da PIDE, dificilmente podia escapar à “justiça em tempo real”. Foi o que aconteceu a um homem de gabardina, que foi rodeado por militares e detido. Félix Esteves está em cima do acontecimento e capta uma sequência de quatro fotografias, das quais três foram ampliadas. É talvez o momento em que o repórter acidental mais se revela como verdadeiro repórter.

Num dia em que qualquer faísca podia provocar um grande incêndio, também qualquer acusação atirada para o ar podia provocar uma tragédia. Se alguém fosse apontado como sendo da PIDE, dificilmente podia escapar à “justiça em tempo real”. Foi o que aconteceu a um homem de gabardina, que foi rodeado por militares e detido. Félix Esteves está em cima do acontecimento e capta uma sequência de quatro fotografias, das quais três foram ampliadas. É talvez o momento em que o repórter acidental mais se revela como verdadeiro repórter.

Detenção da PIDE
Detenção da PIDE
Detenção da PIDE

Rua António Maria Cardoso

A meio da tarde, por volta das 16h25, a sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, é palco da resposta mais musculada da polícia política durante a Revolução. De dentro do edifício, membros da PIDE abrem fogo sobre a multidão: morreram quatro pessoas e várias ficaram feridas. São várias as fotografias de Félix Esteves nesta rua, que documentam sobretudo as movimentações dos militares.

A meio da tarde, por volta das 16h25, a sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, é palco da resposta mais musculada da polícia política durante a Revolução. De dentro do edifício, membros da PIDE abrem fogo sobre a multidão: morreram quatro pessoas e várias ficaram feridas. São várias as fotografias de Félix Esteves nesta rua, que documentam sobretudo as movimentações dos militares.

Rua Paiva de Andrade, nas traseiras da sede da PIDE

Rua Paiva de Andrade, nas traseiras da sede da PIDE

Foram feitas duas tentativas de ocupação à sede da PIDE, mas a rendição só se verificou na manhã de 26 de Abril

Foram feitas duas tentativas de ocupação à sede da PIDE, mas a rendição só se verificou na manhã de 26 de Abril

Viaturas militares estacionadas em frente à sede da PIDE

Viaturas militares estacionadas em frente à sede da PIDE

Depois de fazer várias fotografias na rua onde se situava a sede da PIDE, Félix Esteves entra num prédio adjacente e instala-se perto do telhado, de onde assiste às movimentações dos militares. É de lá que ouve as rajadas disparadas pela polícia política. Nesse momento, um jornalista espanhol ao seu lado estremece: “Nós dali víamos tudo; e o homem quando ouviu aquilo [os tiros] ficou a tremer. E digo-lhe eu: ‘Você está a tremer? Está com medo? Aqui não chega tiro nenhum’”. Entre as dezenas de fotografias que Félix Esteves captou nesse dia, não há nenhuma deste momento. Algumas imagens podem ter ficado apenas na memória.

O homem que se “armou em jornalista estrangeiro” para fotografar a Revolução

Provas de contacto

Embora a câmara fotográfica fosse nova, a experiência na fotografia era pouca. Mas isso não demoveu Félix do Nascimento Esteves de correr para o Terreiro do Paço assim que soube da Revolução. Ao longo do dia fez-se passar por “jornalista estrangeiro” para estar onde outros não podiam. Captou tanques, protagonistas, alegria e momentos de tensão. 48 anos depois, decidiu partilhar o seu olhar sobre o 25 de Abril

Máquina fotográfica de Félix Nascimento

Tem fotografias do 25 de Abril de 1974?

Partilhe-as com o PÚBLICO para construirmos um mosaico fotográfico nos 50 anos da Revolução:

fotografiaaopovo@publico.pt