Há muito que se reclamam obras na “estrada da vergonha” em França

Estrada onde morreram 12 portugueses em Allier, no centro de França, é um local de passagem de muitos camiões e faz parte de trajectos de longa distância.

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Os corpos dos 12 portugueses mortos no acidente foram transportados pelas autoridades para um edifício de Montbeugny THIERRY ZOCCOLAN/AFP

A estrada nacional francesa onde morreram 12 portugueses num acidente rodoviário na noite de quinta-feira, na comuna de Moulins, em Allier (centro de França), é um ponto de passagem habitual para viajantes de longa distância, a meio caminho entre a França Atlântica e a ligação à Europa Central.

É um itinerário muito usado para trajectos de longa distância – seja para o transporte de mercadorias, seja para turistas e emigrantes que fazem ligações entre cidades francesas ou mesmo à Suíça, Itália ou à Alemanha – e conhecida por ser uma passagem muito perigosa nalgumas zonas. 

Há quem lhe chame a “estrada da morte”, outros a “estrada da vergonha” e, por isso, há muito que os habitantes e responsáveis locais reclamam obras para aumentar a segurança do traçado.

A via onde a tragédia de quinta-feira à noite aconteceu é uma apenas das partes do “tronco” principal da Estrada Centro Europa Atlântica (RCEA, na sigla francesa). O acidente da noite de quinta-feira aconteceu na Estrada Nacional 79 em Montbeugny, na comuna de Moulins. Vitimou 12 portugueses, entre eles uma criança e um adolescente, apenas sobrevivendo o condutor desta carrinha e os dois condutores do pesado de mercadorias também envolvido no acidente.

A forma como o jornal regional La Montagne enquadra o acidente é sinal de como esta estrada é tantas vezes lembrada pelas piores razões: “A RCEA acordou de luto uma vez mais, esta sexta-feira”. O jornal fez a conta às vítimas dos últimos anos: em 2010 já ali morreram 14 pessoas; no ano seguinte, dez; em 2012, quatro; em 2013, cinco; em 2014, mais três; e em 2015, outras cinco. 

A AFP descreve aquela parte do traçado como uma passagem monótona, onde o limite de velocidade será de 90 km/h. “Há mais de 40 anos que se fala em colocar duas faixas de rodagem”, lembrou uma fonte judicial local à agência de notícias francesa.

O primeiro traçado da RCEA nasceu nos anos 1950 por impulso do departamento de Allier e da Câmara do Comércio e Indústria de Bordéus e Genebra. A sua posição é desde sempre estratégica e, hoje, escreve o Montagne, a estrada é ainda muito usada por transportadoras de mercadorias de e para várias cidades francesas junto à costa Atlântica – Royan, Nantes, Bordéus, por exemplo. Ainda hoje existe a Associação para a Estrada Centro Europa Atlântica, a ARCEA, que lembra no seu site a ideia na origem deste itinerário que vai de Leste a Oeste: “Assegurar a promoção da ligação entre estas cidades”.

A associação, que tem entre os seus objectivos encontrar soluções para as “necessidades urgentes em termos de segurança e eficácia económica”, há muito alertou para a “inadequação” da estrada à realidade económica, dada a frequência de carros e pesados que ali passam. No seu site, apresenta algumas estatísticas já antigas, com mais de dez anos, mas que já então a levava a alertar para os números “alarmantes” sobre acidentes naquele traçado.

Muitos camiões

No Facebook, há até um grupo chamado RCEA: 4 voies pour arrêter le massacre (“Quatro faixas para parar o massacre") que reivindica obras no local. Na página de Facebook é denunciado o “cemitério de duas faixas na [região] Saone et Loire e em Allier”. “Há demasiado tempo que os acidentes e os mortos se acumulam, que as famílias choram e que os sobreviventes não dormem”, refere o grupo.

A AFP ouviu de uma fonte judicial local descrever aquela via como a “estrada da morte”. O jornal La Montagne classifica-a como a “estrada da vergonha” e tem dado ao tema um destaque especial. E arrisca dizer que é mesmo uma das estradas “mais mortíferas da Europa”.

À Lusa, Luís Babiano, presidente da associação Dompierre Portugal (de divulgação da cultura portuguesa), sublinhou que esta “é uma estrada onde há muitos, muitos acidentes”, e por onde passam muitos camiões. “A estrada só tem uma via. Uma pessoa fecha os olhos e está logo na via da esquerda e foi o que aconteceu neste acidente”, declarou o dirigente associativo local àquela agência.

Guy Charmetant, o autarca de Montbeugny, onde aconteceu o acidente, é uma das vozes críticas, mas hoje colocou esse “combate” de lado, dizendo que o seu pensamento está com “as famílias e unicamente com as famílias” das vítimas dos portugueses.

Nos últimos meses, houve outros acidentes graves em França, noutras estradas. Eis um resumo dos casos referidos pela AFP: em Fevereiro, uma colisão entre um autocarro escolar e um pesado em Charente-Maritime, na costa atlântica, matou seis adolescentes; na véspera, também um autocarro escolar que transportava 32 pessoas teve um despiste em Doubs, junto à fronteira com a Suíça, acidente no qual morreram dois adolescentes; em Outubro, 43 pessoas morreram num acidente na região de Bordéus.

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