A sensatez de Abril

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A história está longe de acabar. Passaram 40 anos e Adelino Gomes e Alfredo Cunha, dois dos jornalistas que cobriram o 25 de Abril de 1974, continuam à procura de notícias da revolução. Encontraram uma, que revelaram esta semana no livro Os Rapazes dos Tanques (Porto Editora): a identidade do cabo apontador que, naquela manhã, decidiu com notável “astúcia camponesa” desobedecer ao único oficial general que saiu à rua para defender o regime.

José Alves Costa, na altura um aldeão de 23 anos, tinha sido enviado da base de Santa Margarida como reforço para Lisboa, depois do golpe falhado do 16 de Março, umas semanas antes. Saiu da tropa pouco depois da revolução, regressou à sua aldeia de Balazar, onde foi operário de pneus boa parte da vida, e regressou a Lisboa, pela primeira vez em 40 anos, nesta terça-feira, para o lançamento do livro onde conta a sua história.

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Única fotografia sobrevivente de José Alves Costa de 1974, tirada na base militar de Santa Margarida DR

Esta é uma notícia a preto e branco e a cores. Vimos este homem agora pela primeira vez, ouvimos como conta a história daquele dia e vimos como recebeu abraços que, com toda a certeza, não imaginou nunca receber: de militares que estavam do outro lado, dentro dos tanques e blindados dos revoltosos. “Aqui está o homem que não me matou!”, gritou ontem quando o viu o alferes António Sampaio. Há 40 anos que se falava da história do misterioso cabo que dissera “não” ao brigadeiro Junqueira dos Reis, mesmo depois de este lhe ter apontado uma pistola: “Ou dá fogo ou meto-lhe um tiro na cabeça.” Ninguém lhe conhecia o rosto, a morada e muito menos o nome. Era um herói anónimo. Agora que o conhecemos, descobrimos que é um clássico anti-herói, um homem que não estava engagé politicamente, que nunca cantou a Grândola na vida e que não participou em nenhuma comemoração do 25 de Abril.

Ele não disparou naquele dia, como não dispararam os marinheiros que desobedeceram às ordens de Seixas Louçã, como desobedeceu o alferes Fernando Sottomayor, preso logo ali, no início do frente-a-frente, e levado num carro ladeado por pides. Do seu tanque, o cabo Alves Costa viu tudo isto. Diz que ainda mexeu na torre, mas percebe-se que já desceu para dentro do tanque sem vontade. Foi um instinto. O brigadeiro pergunta-lhe se ele sabe mexer na máquina e ele diz logo que nem por isso, que tem pouca experiência. Mal desce, fecha a escotilha e dá uma ordem ao colega: “Fecha as portas.” O cabo Alves Costa não teve muito em que pensar. Sabia que, se disparasse, mataria os colegas de Cavalaria, homens dos tanques como ele, mas também os milhares de civis que já estavam nas ruas àquela hora. E que a mais bela praça da Europa ficaria reduzida a pó. Diz que não disparou porque foi “apenas português”. Quarenta anos depois, à coragem — palavra que até agora definia a revolução — junta-se de forma indelével uma outra: sensatez.     

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