Um jovem de 16 anos deve ser mandado para uma prisão de adultos?

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PAULO PIMENTA

Aos 16 anos um rapaz não pode votar nem casar-se sem o aval dos pais. E se cometer um crime? Deve ser julgado como um adulto? Depende, mas, para a maior parte dos especialistas, a maioridade criminal deveria esperar pela civil: pelos 18, portanto

Não lhe conhecemos o nome e, para o caso, pouco interessa. Sabemos que tem 16 anos e que vai passar os próximos sete na prisão, por ter violado uma menor. A sentença foi-lhe ditada anteontem, no Tribunal de Sintra, e, enquanto aguarda o trânsito em julgado do processo, terá de ficar fechado em casa com vigilância electrónica. Do julgamento pouco se sabe. A Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa explica que o crime foi cometido a 20 de Janeiro de 2011 e que o rapaz e um amigo de 14 anos atraíram a menor a um sótão de um prédio, em Agualva, Cacém, onde a violaram. Duas vezes. O amigo, que por razões de idade não é criminalmente imputável, foi julgado num tribunal de família e menores e condenado a uma pena mais ligeira: três anos de regime fechado num centro educativo. Sem olhar às circunstâncias do caso, esta sentença vem reacender a discussão em torno da idade da imputabilidade criminal que a lei portuguesa fixa nos 16 anos: a que ponto um menor, cuja personalidade e cujo discernimento do bem e do mal ainda estão em formação, deve ser julgado como um adulto e sujeito às mesmas medidas punitivas?

"Os jovens entram cada vez mais cedo no mundo do crime", introduz a juíza Armanda Gonçalves. "As penas aplicadas, e que têm sempre em consideração as circunstâncias agravantes ou atenuantes, também cumprem uma função de prevenção geral, ou seja, aplicam-se ao arguido mas também visam dissuadir outros jovens da criminalidade", sublinha, para sustentar que o julgamento dos jovens delinquentes em tribunal criminal (por oposição aos tribunais de família e menores que "tendem a ser encarados quase como uma brincadeira") funciona, desde logo, "como factor dissuasor". É em nome da prevenção, portanto, que a esta juíza não impressiona que os tribunais tratem como adultos todos os que, com 16 anos, tenham cometido um crime. "Acho até que se justificaria baixar a idade da imputabilidade para os 15 anos", preconiza. O procurador Norberto Martins não podia discordar mais. "Baixar a idade da imputabilidade é uma absoluta insensatez e vai ao arrepio de tudo o que é razoável", contrapõe e já vamos perceber porquê.

Por ora lembre-se que a hipótese de abaixamento da idade da inimputabilidade penal salta ciclicamente para as páginas de jornais. E assume contornos de urgência sempre que o país reage chocado a algum episódio de criminalidade juvenil particularmente grave. O actual ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, já o defendeu. Estava-se em Novembro de 2010, era então Macedo líder parlamentar do PSD. Já antes a JSD de Setúbal, zona onde prolifera a criminalidade associada a gangues juvenis, defendera a redução da inimputabilidade para os 14 anos como forma de responder à "crescente participação de jovens com menos de 16 anos em acções criminais de elevada violência". Em 2007, o CDS chegou levou mesmo a proposta ao Parlamento. Acabou chumbada. Mas as interrogações mantêm-se. Sobretudo porque os centros educativos, para onde são encaminhados os jovens delinquentes entre os 12 e os 15 anos, falham no seu propósito de reintegração. No último relatório, de Fevereiro de 2011, a Comissão de Fiscalização dos Centros Educativos encontrou rigidez no modelo educativo e ausência de trabalho na preparação do regresso do jovem à comunidade. Faltava acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Articulação com a família também.

O diagnóstico não se alterou. "Temos uma enorme preocupação com a ausência de acompanhamento do que acontece aos jovens depois do centro educativo", aponta Norberto Martins, membro daquela comissão que está a ultimar o novo relatório sobre aqueles centros.

Centros "no limite"

O país tem oito centros educativos a funcionar. Três em Lisboa, um no Porto, outro em Coimbra. Guarda, Vila do Conde e Funchal detêm os restantes. Juntos somam perto de 300 lugares. "Funcionam todos no limite das suas capacidades", diz Norberto Martins. "Algumas coisas melhoraram, mas a preocupação quanto ao que acontece após o cumprimento da medida tutelar mantém-se, porque o caldo de cultura que levou aqueles rapazes e raparigas a cometer um acto ilícito não desaparece e, se não há acompanhamento, a probabilidade de reincidência é enorme". Números oficiais não há. Mas Norberto Martins insiste que a reincidência é "muito, muito elevada". E o pior é que "quando estes rapazes e raparigas regressam já não vão para os centros educativos mas para as prisões".

Em Setembro de 2011, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais contava 88 rapazes e raparigas entre os 16 e os 18 anos nas cadeias. Na faixa etária dos 19-20 anos, o número subia para os 274 reclusos - 2,2 por cento do total de presos. E a lei portuguesa até contempla um regime de transição que prevê a atenuação das penas para arguidos até 21 anos de idade. "Essa atenuação pode ou não ser aplicada pelo julgador, consoante as circunstâncias concretas de cada caso", contextualiza Judite Babo, procuradora num tribunal de família e menores. Se um jovem com 16 anos deve ou não ser mandado para uma cadeia é algo a que esta procuradora não consegue responder. À partida, preferiria ver a prisão efectiva substituída por pena suspensa (máximo de cinco anos), com frequência obrigatória de programas de reeducação. Mas também admite que se um jovem de 16 anos tiver "uma prática de tal forma gravosa e enraizada nos seus procedimentos", continuar em liberdade, mesmo sujeito a programas de reeducação, pode não ser suficiente". Certezas, uma: "Não concordo com o abaixamento da imputabilidade penal para os 14 anos, porque não acredito que nessa idade um jovem, mesmo sabendo distinguir o bem e o mal, tenha maturidade suficiente para lidar com as consequências do acto que praticou".

Em Espanha também se pensa assim. Os jovens só são considerados criminalmente imputáveis aos 18 anos. No Brasil, a mesma coisa. Já em Inglaterra os autores de crimes graves respondem como adultos perante a lei logo a partir dos dez anos. Nos Estados Unidos, o tema está agora nos editoriais dos jornais porque um rapaz com 16 anos arrisca pena de prisão perpétua depois de ter participado numa transacção de droga em que uma jovem acabou morta. O adolescente não puxou o gatilho. Sequer presenciou a morte. Mesmo assim, foi condenado por homicídio em primeiro grau, o que, na Pensilvânia, dá direito automático a prisão perpétua. A questão está em saber se o Supreme Court of Justice, a instância máxima da justiça norte-americano, vai ou não banir a prisão perpétua para jovens condenados por homicídio. Em 2005, baniu a pena de morte para estes casos. E, em 2010, já tinha banido a prisão perpétua para jovens condenados por crimes que não homicídios.

Neste sobe e desce, o procurador Norberto Martins preferia ver Portugal seguir o exemplo dos espanhóis e dos brasileiros. "Parece-me muito razoável que a imputabilidade penal se fixasse com a imputabilidade civil. Aos 16 anos uma pessoa não votar nem casar sem autorização dos pais e é responsabilizado criminalmente como um adulto!?", argumenta, por não acreditar que "uma pessoa com 16 anos, com a sua personalidade ainda a ser formada, tenha hipóteses de ser ressocializado em ambiente prisional". Entre a prisão e um centro educativo com todas as suas falhas venham os segundos, portanto. "Apesar das insuficiências, os centros oferecem mais oportunidades de reeducação do que uma prisão: têm formação académica, são unidades mais pequenas...".

A procuradora Joana Marques Vidal também se inclina para o adiamento da imputabilidade penal para os 18. "Claro que o grau de responsabilização de um jovem de 18 anos é diferente do de um jovem com 14 e, portanto, uma medida dessas pressuporia uma alteração global na intervenção tutelar educativa". Na opinião desta procuradora, julgar um rapaz ou uma rapariga com 14 anos como adultos e mandá-los para uma prisão "é o mesmo que desistir da sua hipótese de ressocialização". "E ia resolver o quê? Nada", insiste, para acrescentar: "Se houver uma reacção rápida e adequada dos tribunais de família e menores e se se zelar para que as medidas tutelares educativas sejam efectivamente aplicadas, não há por que recear a ideia de impunidade aplicada aos crimes cometidos por jovens. Basta garantir uma melhor e mais eficaz aplicação da lei que temos."

Num cenário ideal, e à boleia da harmonização da responsabilidade penal com a civil, Norberto Martins gostava de ver uma adequação dos centros educativos "às diferentes faixas etárias". A este cenário, a juíza Armanda Gonçalves acrescentaria uma separação dos jovens delinquentes "por tipos de crimes e categoria dos jovens". "Por outro lado", conclui, "era essencial que houvesse instituições intermédias para evitar que os jovens que estão nas franjas da marginalidade sejam atirados para os centros educativos onde se misturam com jovens já com percursos muito complicados".

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