Passos vai sozinho e sem Seguro

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Ao fim de dez meses de liderança, Seguro foi duro e arrancou à sua bancada uma longa salva de palmas

O secretário-geral do PS pegou no PEC para avisar que o consenso político desapareceu. Já Jerónimo de Sousa preferiu a concertação social para acusar o Governo de não fazer "nada"

A partir de agora, o Governo caminha sozinho. O debate quinzenal de ontem, no Parlamento, marcou uma nova etapa no relacionamento entre a maioria e o principal partido da oposição. Palavra de António José Seguro, que considerou que "o primeiro-ministro escolheu ficar sozinho com o seu Governo": "O senhor primeiro-ministro escolheu um caminho, por bem desejo-lhe boa viagem para esse caminho, mas vai sozinho, porque o PS não assina de cruz nenhum documento que entregue em Bruxelas sem ser discutido com o PS." Em causa estava o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) a ser apresentado em Bruxelas na próxima segunda-feira, data para a qual está convocado um Conselho de Ministros extraordinário.

A intervenção de Seguro foi a confirmação da quebra de confiança entre os dois principais partidos. Daqui para a frente vai ser mais difícil encontrarem-se consensos, dada a política de afastamento do Governo face ao PS em matérias determinantes. "Lembra-se do PEC IV?", questionou o líder socialista, recordando Passos Coelho de, no ano passado, "ter criado uma crise política por não ter sido discutido o PEC antes de ser enviado para Bruxelas". Seguro denunciou então o chefe do executivo, por estar agora a preparar-se para enviar um novo PEC à União Europeia sem antes consultar o Parlamento. "Esta é a maneira de tratar o Parlamento? Esse é o modo de agir para manter o consenso político?", questionou Seguro.

A dureza do secretário-geral foi recebida com um entusiasmo poucas vezes visto no plenário. Aplaudido por mais de uma vez pela sua própria bancada, que ao fim de dez meses saudou de forma convicta um discurso do sucessor de José Sócrates na liderança do PS.

À hora do debate, Cavaco Silva não estava sequer em Lisboa (ver pág. 7). Mas não deixou de tocar na questão sensível do "consenso político e social" para garantir que tudo fará para que este se mantenha: "Penso que é da maior importância - o Governo, partidos da oposição, parceiros sociais, devem dialogar permanentemente e procurar uma concertação que vá ao encontro dos superiores interesses do país." Uma reacção do Presidente da República à ameaça de "ruptura democrática" feita pelo PS na cerimónia do 25 de Abril, no Parlamento.

Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, contestou a solidão do Governo, garantido que este contava não só com a bancada social-democrata "mas sobretudo com os portugueses, com as empresas e as famílias". E contra-atacou: "Cada um escolhe o seu caminho. O deputado António José Seguro prefere uma boleia francesa, a demagogia e a aproximação à esquerda radical."

Só após a deixa de Montenegro é que Passos Coelho pôde responder a Seguro, preferindo não atacar o socialista, ao contrário do deputado da maioria: "Nós não iremos apresentar PEC nenhum e até estranho que o senhor deputado tenha ressuscitado os mal-amados PEC. O Governo, estando sob assistência financeira, está dispensado de apresentar PEC, não irá apresentar nenhum PEC", disse o chefe do executivo antes de precisar que o seu Governo entregaria na Assembleia da República um documento de estratégia orçamental.

Uma resposta que não convenceu Seguro, que já depois de encerrado o debate fez questão de apresentar aos jornalistas, nos corredores da Assembleia da República, a portaria 103/2012 do Ministério das Finanças. No Diário da República de 17 de Abril está publicado um calendário que, além do documento de estratégia orçamental, define para o mesmo dia 30 de Abril a "submissão do Programa de Estabilidade e Crescimento à União Europeia".

Mas não foi apenas Passos Coelho a tropeçar nos procedimentos orçamentais. Seguro recorreu à lei de enquadramento orçamental para afirmar que o Governo estava em falta: "O país ficou quinta-feira a saber que o Governo vai reunir-se no último dia e à última hora para aprovar o PEC e para o enviar para Bruxelas. Ora isso é muito grave, porque a lei exige que este Parlamento receba com dez dias de antecedência esse documento para debate, mas o primeiro-ministro desrespeita este Parlamento." Mas o socialista estava errado. A lei define que a Assembleia da República "procede à apreciação do PEC no prazo de dez dias úteis a contar da data da sua apresentação pelo Governo".

Dia D ou Dia N?

A oposição considerou sintomático que o Governo tenha escolhido o tema da justiça para um debate sobre crescimento, criticando a ausência do ministro da Economia. Mas o CDS fez a vez de Álvaro Santos Pereira, com o líder parlamentar Nuno Magalhães a apresentar os dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística que indicam o aumento do indicador de confiança dos consumidores entre Fevereiro e Abril. Magalhães recordou ainda os valores divulgados pelo Banco de Portugal que revelam a subida das exportações em Fevereiro deste ano.

Já o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, preferiu inquirir Passos Coelho sobre as "medidas concretas" que tinha prometido apresentar até hoje à UGT, no âmbito do acordo tripartido de concertação social, lembrando ao governante a "ameaça" de João Proença em romper o acordo. "Pensava que hoje seria aqui o dia D", disse o comunista, para logo depois concluir que afinal acabava por "ser o Dia N, ou seja, o dia do nada".

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