Nau portuguesa do século XVI em risco de ser submersa na Namíbia

Equipa luso-namibiana trabalha em contra-relógio até 10 de Outubro para salvar segundo navio deste tipo recuperado à escala mundial por especialistas

A A nau quinhentista portuguesa descoberta em Abril ao largo de Oranjemud, no Sul da Namíbia, corre o risco de voltar a ficar submersa a partir de 10 de Outubro, último dia para manter a céu aberto o local da escavação garantido pelo consórcio Namdeb, formado pelo Governo namibiano e pelo grupo diamantífero sul-africano De Beers. Uma informação de que o Ministério da Cultura português não dispunha até ontem, reconheceu ao PÚBLICO o assessor de imprensa Rui Peças. "Vamos tentar perceber o que se passa", afirmou.Segundo uma notícia avançada ontem pela agência francesa AFP, o governo namibiano e a De Beers, um dos maiores produtores mundiais de diamantes - que ao longo dos últimos seis meses têm custeado juntos a preservação do achado -, não pretendem continuar a gastar os 1700 euros diários que a operação implica. Ao PÚBLICO, o arqueólogo Francisco Alves, da equipa que está a proceder à escavação e estudo da "mais importante descoberta de sempre da arqueologia náutica subsariana", confirmou o deadline, mas mostrou--se optimista quanto à possibilidade de se conseguir concluir o trabalho de recuperação nas próximas duas semanas.
"Estamos a trabalhar diariamente para limpar e dar continuidade à extracção de todo o material dentro do prazo e hoje mesmo conseguimos retirar a única parte da estrutura do navio que ainda está conexa", anunciou Francisco Alves, director da divisão de Arqueologia Náutica e Subaquática do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar). "Todos os dias estamos a encontrar coisas novas - moedas, âncoras de ferro, pedaços de canhão, espadas, astrolábios e instrumentos de navegação da época -, até já perdemos a conta" ao tesouro já recuperado do navio, afirma (ver caixa). Mas é um trabalho difícil, já que o navio está "ensanduichado" entre a rocha-mãe e uma "camada extremamente dura" resultante de produtos de corrosão e oxidação misturados com pedras e algas, explica o arqueólogo. Por outro lado, há pedaços da nau dispersas numa grande área em redor.
Vitória sobre os piratas
Ao PÚBLICO, o arqueólogo sublinha que, após a escavação que dirigiu da Nau da Pimenta, em S. Julião da Barra, em 1998, este é apenas "o segundo navio do mesmo tipo à escala mundial" que está a ser recuperado por uma equipa de especialistas de várias nacionalidades. Uma vitória para os arqueólogos na muito acesa lutra contra os caçadores de tesouros, de cujas mãos o tesouro do navio está agora praticamente a salvo. "A Namíbia tem dado provas de boas práticas" a nível da preservação de achados arqueológicos, sublinha Francisco Alves, um dos dois especialistas portugueses nesta missão (o outro é Miguel Aleluia).
Apesar de a Namíbia ainda não ter ratificado a convenção da UNESCO que protege o património arqueológico e estipula a partilha do achado, Francisco Alves considera que "estão reunidas condições de cordialidade" de forma a assegurar o interesse comum dos dois países no património, tendo em conta a cooperação rara que tem havido entre o país do achado e o país de bandeira do navio. No entanto, a verdade é que, à luz da lei da Namíbia (idêntica à portuguesa), todo o património encontrado nas suas águas territoriais é sua propriedade.
O levantamento de objectos, até agora, tem sido feito por especialistas portugueses, namibianos e zimbabueanos graças a um financiamento da Namdeb. Mas, segundo Peingeondjabi Shipoh, responsável pelo projecto no Ministério da Cultura namibiano, citado pela AFP, "manter o muro artificial de areia, que sustém as correntes fortes do Atlântico e permite aos especialistas fazer o seu trabalho custa 100 mil dólares namibianos por dia [1700 euros]", e essa despesa apenas está assegurada por mais 12 dias.
As escavações estão a decorrer numa espécie de ilha ao contrário: uma área de 60 por 30 metros situada a seis ou sete metros abaixo do nível do mar, mas que se encontra a céu aberto graças aos muros. "A partir de 10 de Outubro não vamos manter mais estes muros e os restos do navio vão voltar a ser entregues aos elementos, ainda que eu tenha a certeza que há ainda coisas por descobrir", diz Shipoh.

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