Mulheres e filhos também sofrem de stress de guerra

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Susana de Oliveira (à direita) e a sua orientadora, Alexandra Pinto NUNO FERREIRA SANTOS

O trabalho de investigação que culminou na tese de mestrado Traumas de Guerra: Traumatização Secundária das Famílias dos Ex-Combatentes da Guerra Colonial com PTSD [Perturbação de Stress Pós-Traumático], da psicóloga Susana Martinho de Oliveira, concluiu que as mulheres dos antigos combatentes podem sofrer de Perturbação Secundária de Stress Pós-Traumática. E que os seus filhos podem ainda ter quadros clínicos de depressão e ansiedade devido à relação de proximidade com as mães.

A pesquisa de Susana de Oliveira, que trabalha há sete anos nesta área, configura um dos primeiros estudos em Portugal sobre o impacto do stress de guerra nas famílias dos ex-combatentes da guerra colonial. E os dados recolhidos para a sua tese, realizada no âmbito do Mestrado em Psicologia na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, servem agora para o seu projecto de doutoramento, que tem como co-orientadoras Alexandra Marques Pinto e Maria Teresa Ribeiro.

Para chegar à conclusão de que o stress de guerra pode também atingir as mulheres e os filhos dos ex-combatentes, Susana de Oliveira trabalhou com 66 famílias (198 pessoas), nas quais os antigos combatentes, nenhum deles militar de carreira, já tinham recebido apoio psiquiátrico ou psicológico por lhes ter sido diagnosticado stress pós-traumático.

A média de idades destes homens era de 60 anos; a maioria tinha a quarta classe e estava já reformada. Quanto às mulheres, a média de idades era de 58 anos, tendo uma grande parte delas admitido ter acompanhamento psiquiátrico ou psicológico. A média etária dos filhos era de 32 anos; a maioria afirmou nunca ter tido acompanhamento psicológico ou psiquiátrico.

As respostas aos questionários utilizados para esta investigação revelaram que as mulheres dos ex-combatentes apresentam uma traumatização secundária, motivada pelo "contacto emocional profundo" com os maridos, nota a psicóloga. "Os casos estudados referenciaram casamentos duradouros em que as mulheres assumem quase o papel de mães dos maridos; são protectoras, assumem a maior parte das tarefas domésticas e estão activas em termos profissionais."

Os filhos podem também apresentar sintomatologia comórbida, assim designada por estar associada a outra patologia. "Há uma relação directa da patologia das mães para os filhos. Estas mães têm um papel amortecedor da patologia dos maridos sobre os filhos e uma relação mais próxima com estes. Mas, como têm sintomas semelhantes aos dos maridos, isso também é transmitido aos filhos. O grau de stress traumático dos filhos depende do grau das mães", justifica Susana de Oliveira.

O quadro clínico dos ex-combatentes e das suas mulheres é similiar, embora elas não tenham vivenciado directamente o conflito. Traduz-se na reexperiência da situação (por pesadelos, pensamentos intrusivos, mal-estar psicológico), no evitamento (recusa em planear o futuro, amnésia), no embotamento (dificuldade em sentir emoções) e na hiperactivação fisiológica permanente (dificuldades em adormecer, falta de concentração, estado exagerado de alerta).

Nos filhos, apresenta-se uma sintomatologia comórbida, revelada através de casos de depressão e ansiedade. Mas a investigação demonstrou que aqui o grau de influência do stress de guerra dos pais sobre os filhos depende ainda do género: a sintomatologia comórbida é mais relevante nas mulheres.

"Nas associações aparecem cada vez mais filhos de ex-combatentes a procurar ajuda. Perguntam se pode ser algo hereditário, se as suas reacções se explicam pela convivência com os pais", diz a psicóloga. M.J.O.

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