Inspector-geral da Administração Local afirma que "corrupção ganhou" e é exonerado

Foto
Extinção do IGAL e fusão com a IGF deu origem a demissão NUNO FERREIRA SANTOS

Carta de Orlando dos Santos Nascimento aos funcionários e aos portugueses esteve on-line até ontem à tarde, altura em que o site foi desactivado

Uma carta bastou. O juiz desembargador Orlando dos Santos Nascimento foi ontem exonerado das suas funções de inspector-geral da Administração Local por "quebra de lealdade institucional".

A decisão foi tomada pelo Governo na sequência da publicação, anteontem, de uma carta no site da Inspecção-Geral da Administração Local (IGAL), em que Orlando dos Santos Nascimento escreve que "a corrupção ganhou" e atribui responsabilidades a "uma poderosa associação de autarcas" na extinção da entidade, que será fundida com a Inspecção-Geral das Finanças (IGF), no âmbito do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central.

"Uma poderosa associação [de autarcas] que não anda por bons caminhos e que não está a arrepiar caminho quer na redução da despesa pública, quer no combate a corrupção", acrescentou em declarações ao PÚBLICO. "Mais tarde, se achar que é conveniente dizer qualquer coisa, a frio, direi", rematou, sem querer avançar com mais pormenores.

"Eu sou um beirão, o que devo eu pago e paguei. Trabalhei durante três anos e meio numa luta desenfreada contra a corrupção e não podia agora ser esfaqueado", afirmou para justificar a polémica carta. "Devia-o aos portugueses. Estou muito tranquilo com a minha consciência."

Na carta, o então ainda inspector-geral lembrou que conseguiu elevar a produtividade da IGAL para "mais do dobro", ao mesmo tempo que conseguiu reduzir a despesa. "Estivéssemos nós num país de raiz empresarial anglo-saxónica e seríamos candidatos aos lugares cimeiros, como exemplo para os outros", comenta Orlando dos Santos Nascimento. "No nosso, por incómodos, fomos extintos."

"Como é que é possível que alguém não goste que se combatam aqueles crimes?", questiona-se, em conversa com o PÚBLICO. Na carta, frisa que não trabalhou "contra os eleitos locais nem contra os trabalhadores locais", mas "com uns e outros", "com respeito" e "por vezes, com admiração". "Guardo-os como conforto para as horas de ingratidão, como esta."

Carta "mandada retirar"

Lamenta - dirigindo-se aos funcionários da IGAL, mas também aos portugueses - que tenha havido "atropelos de legalidade" a que a entidade de fiscalização "não soube ou não pôde pôr cobro". "Aos muitos cidadãos a que a IGAL não pôde assistir na defesa dos seus direitos não posso deixar de apresentar as minhas desculpas", lê-se.

"[A carta esteve online] desde as 18h de ontem [anteontem] até hoje [ontem], quando foi mandada retirar pelo secretário de Estado [da Administração Local e Reforma Administrativa, Paulo Simões Júlio], que foi inspeccionado sob as minhas ordens [enquanto presidente da Câmara de Penela]", disse ao PÚBLICO o juiz desembargador.

Coincidência ou não, durante a tarde de ontem deixou de ser possível aceder ao site da IGAL.

Um problema que persistiu até à hora de fecho desta edição, mas que o assessor do ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, garante "não ter nada a ver" com o ministério, já que a IGAL "tem autonomia informática". "Obviamente que não", reagiu Orlando dos Santos Nascimento.

A gestão interina da IGAL será, por ora, assegurada pelo actual sub-inspector-geral Mário Rui Tavares da Silva, informa o gabinete do ministro Miguel Relvas, na nota de imprensa em que foi anunciada a cessação de funções do inspector-geral.

O assessor do ministro garantiu ao PÚBLICO que, com a extinção da IGAL por fusão com o IGF, "a fiscalização vai continuar e será até reforçada com esta fusão".

Sugerir correcção