Helena Cidade Moura, a "grande senhora" que deu "corpo à liberdade" através da cultura

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Helena Cidade Moura foi deputada pelo MDP/CDE entre 1980 e 83 João Paulo Trindade/lusa

Antifascista, queirosiana, alfabetizadora, deputada. Morreu Helena Cidade Moura, para quem a educação era uma arma

Mais do que uma alfabetizadora, foi "uma grande senhora da liberdade e da cultura". Foi assim que António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa e historiador da Educação, classificou Helena Cidade Moura, que morreu sexta-feira, aos 88 anos de idade. É a vida "multifacetada" que é sublinhada por aqueles que aceitaram dar o seu testemunho sobre quem ficou conhecida como a responsável pela maior campanha de alfabetização organizada em Portugal no pós-25 de Abril.

Ontem sucederam-se as reacções à sua morte. O ministro da Educação destacou "o papel da educadora antes e depois do 25 de Abril na defesa da alfabetização e na educação em Portugal". Guilherme d"Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura (de que Cidade Moura também foi presidente), assinalou a "ilustre investigadora, pedagoga e cidadã empenhada" cuja morte representou uma "perda muito grande para a cultura portuguesa": "Sou testemunha de que, até ao fim da vida, nunca deixou os seus combates fundamentais pela educação e formação", concretizou.

Helena Cidade Moura acompanhou mais de 400 cursos de alfabetização nos anos seguintes à democratização de Portugal, em parte pelo que fizera já enquanto presidente do CNC, entre 1961 e 1964. Filha de Hernâni Cidade, assumiu a liderança do CNC depois de Francisco Sousa Tavares. O seu perfil de "oposicionista moderada" permitiu-lhe "criar mais eficácia nas acções", assegura Guilherme d"Oliveira Martins, actual presidente da instituição. É nessa altura que lança uma série de iniciativas onde, além de debates, avança com um conjunto de cursos livres "animados pela própria directora". Na génese desse projecto, estava a "ideia republicana, que existia naquela geração antifascista, de que não era possível ser-se livre sem se ser educado". E que "a educação era a melhor maneira de dar corpo à liberdade. Isso traduziu-se na forma como interviu", explica António Nóvoa.

A par dessa faceta, prosseguia a sua carreira profissional como técnica no Instituto de Orientação Profissional, escrevendo muito sobre estudos vocacionais. Oliveira Martins não esquece ainda o papel "absolutamente essencial" que Cidade Moura teve para os estudos queirosianos. Foi sua a responsabilidade pela edição crítica da obra do escritor pela editora Livros do Brasil. "Não compreendemos a evolução dessa análise sem ela".

Mas a sua intervenção não se esgotou aí. Ribeiro e Castro, presidente da comissão parlamentar da Educação e deputado pelo CDS, lembrou ainda no percurso de Cidade Moura, a sua passagem pelo Parlamento, onde esteve entre 1980 e 1983. "Foi minha colega na Assembleia da República", afirmou. Embora reconhecendo não existir "grande proximidade política", recorda que Cidade Moura era "muito respeitada enquanto pessoa da cultura", classificando-a como "um grande nome e uma grande mulher ligada à educação e à cultura".

Mas foi a campanha pela alfabetização do país que lhe deu notoriedade. A coordenação da campanha surge depois do seu "grande envolvimento" nas questões da educação e com o 25 de Abril. A forma como esta ocorre resulta também da época revolucionária que o país vivia e das convicções que dominavam aquela geração.

A campanha fez-se, nas palavras de Oliveira Martins, com uma "forte ligação à vida comunitária e ao associativismo", recorrendo à "dinamização cultural e à participação dos cidadãos". Essa percepção resultava da defesa do princípio de "conscientização" que Cidade Moura definia com uma frase do pedagogo brasileiro Paulo Freire: "A alfabetização não é um processo de aprender as palvras, mas antes um processo de aprender o mundo".

Os resultados não foram muito visíveis, admite agora António Nóvoa. "Não teve resultados muito palpáveis em termos de qualificação escolar, mas acabou por ter um papel importante para chamar a atenção da sociedade para a importância da educação."

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