Carrinha de valores roubada com explosivos num golpe raro em Portugal

Cinco homens rebentaram com carrinha em plena A2 e terão fugido com mais de 100 mil euros. Dinheiro viajava de Lisboa e destinava-se a bancos e outros estabelecimentos algarvios

a Cinco homens munidos de armas automáticas e explosivos rebentaram, na madrugada de ontem, uma carrinha de transporte de valores. Em plena A2, junto à saída para Canhestros (Ferreira do Alentejo, distrito de Beja), o grupo apoderou-se de uma quantia não divulgada mas que deverá ascender, no mínimo, a 100 mil euros. O dinheiro, transportado pela Prosegur, destinava-se a abastecer bancos, supermercados e outros estabelecimentos do distrito de Faro. Um dos dois ocupantes do veículo assaltante sofreu ferimentos ligeiros.Foi obra de profissionais. É esta a convicção dos inspectores da Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB) da Polícia Judiciária (PJ) chamados a investigar o que poderá ser o mais proveitoso assalto do ano.
A hora, o local, o modo de imobilização do alvo, a forma como rebentaram o blindado, bem como o armamento utilizado e a logística (que pressupõe um assalto estudado ao pormenor) levam a polícia a admitir que os autores sejam experientes, eventualmente já com assaltos semelhantes noutros países europeus. O uso de explosivos neste tipo de delito, quase virgem em Portugal é, no entanto, comum em crimes praticados em França, Inglaterra ou Suécia.
A primeira evidência que leva a polícia a suspeitar tratar-se de especialistas é o local escolhido para a prática do assalto. Os três carros (de alta cilindrada e provavelmente furtados) dos assaltantes interceptaram a carrinha, colocando-se à sua frente.
Estavam apenas a 200 metros de uma saída da auto-estrada, que poderão ter tomado para inverter o rumo (regressando desse modo a Lisboa ou seguindo para Santiago do Cacém ou para Ferreira do Alentejo). Chegaram a sair da A2 por um portão de emergência; quando reentraram, 1800 metros para lá do local do assalto, deixaram pregos no chão, para furar os pneus de eventuais perseguidores.
Há também a questão das armas utilizadas (houve diversos disparos para obrigar o condutor a refrear a marcha). Embora a PJ não tenha revelado pormenores acerca do armamento, presume-se que os disparos foram feitos com material automático - de mais difícil obtenção.
O explosivo empregado (plástico e, portanto, de muita maleabidade) é idêntico ao utilizado por forças policiais e militares. Foi estrategicamente colocado junto às dobradiças da porta da retaguarda da carrinha, facilitando assim a sua abertura. Colocado noutra zona do veículo perderia eficácia, uma vez que a blindagem deste tipo de viaturas é, normalmente, obtida através de chapas de aço que chegam a ter dois centímetros de espessura.
A hora (duas e meia da manhã) a que foi efectuado o assalto era a única possível para este trajecto - e, para sorte dos assaltantes, também a mais favorável. A A2 nunca tem trânsito muito intenso, e muito menos depois das duas da madrugada. Cometer o mesmo tipo de crime - e talvez até com maiores proveitos financeiros - só poderia ser feito de manhã, quando a mesma viatura regressa a Lisboa com o dinheiro das entidades que abastece durante a madrugada.
Veículo já fora atacado
É possível que este mesmo grupo já tivesse tentado o golpe ontem consumado. O PÚBLICO sabe que há dois anos, no Algarve, o mesmo veículo terá escapado a um ataque onde se pretendia fazer rebentar explosivos. Mais recentemente, já este ano, um veículo da mesma empresa e na mesma região terá sido alvo de uma tentativa de roubo à mão armada.
No decurso do assalto, um dos dois ocupantes da carrinha da Prosegur, um segurança de 42 anos, sofreu alguns hematomas e escoriações, ferimentos que terão sido provocados pela explosão. Ontem à tarde, já havia recebido alta do Hospital do Litoral Alentejano, em Santiago do Cacém, onde dera entrada pelas 5h30.
O PÚBLICO tentou apurar junto da PJ e da Prosegur o montante roubado, que não foi revelado por nenhuma das partes. A polícia também não revelou quantas carrinhas de transporte de valores já foram assaltadas este ano em Portugal, sendo certo que o número, conforme disse um investigador, "deve rondar o dos bancos roubados" (100 até meados deste mês).

As novas regras para o transporte de valores em Portugal só deverão entrar em vigor no final de Março. A principal medida a adoptar, na sequência dos pedidos da Associação de Empresas de Segurança, prende-se com a possibilidade de, no interior das carrinhas de transporte de valores, poder vir a viajar um terceiro segurança.
Esta medida já vigora em Espanha e é apontada como uma das principais causas para a diminuição dos assaltos a carros de transporte de valores no país - mas satisfaz apenas parcialmente os profissionais do sector. O seu maior objectivo é que o Governo altere o regime que regulamenta o uso de armas de fogo. As empresas entendem que a actual proibição imposta aos seus profissionais de não poderem utilizar armas fora dos veículos é limitativa, uma vez que os assaltantes conhecem as restrições e aproveitam-se delas, ou como foi o caso da última madrugada na A2, endurecem a sua actuação, utilizando armas ainda mais potentes.
O assalto motivou uma reacção do CDS-PP. O deputado Nuno Magalhães disse que o seu partido vai pedir a comparência no Parlamento do ministro da Administração Interna, Rui Pereira, para explicar o aumento da criminalidade violenta no país.

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