Xanana usou pareceres de portugueses e americanos para expulsar magistrados de Timor

O escritório de advogados Arent Fox, que tem um peso-pesado da área do direito do petróleo, está a aconselhar o Governo de Timor nos polémicos litígios com petrolíferas que justificaram a expulsão dos magistrados portugueses.

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A abrupta decisão do primeiro-ministro timorense de expulsar os magistrados estrangeiros, entre os quais os portugueses, teve por objectivo parar os processos Miguel Madeira

A avaliação negativa que o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, faz do sistema judicial do seu país – e que levou à expulsão de vários magistrados portugueses a trabalhar no território – está sustentada em pareceres de dois professores de Direito da Universidade de Coimbra e da Arent Fox, um influente escritório de advogados norte-americano contratado pelo Governo de Díli.

Numa carta de 11 páginas dirigida no fim de Outubro ao presidente do Parlamento timorense e distribuída pelos 65 deputados, Xanana Gusmão expõe em pormenor o que descreve como “indícios de erros e irregularidades” nos tribunais e aponta, um a um, dez “erros”, ordenando-os de forma explícita: “Erro n.º 1 do Tribunal”, “Erro n.º 2 do Tribunal”… e assim por diante.

O segundo bloco de argumentos é sobre “outras sérias preocupações”, o terceiro aponta os quatro “erros” do Ministério Público e o último aborda o “preconceito do Ministério Público contra o Estado”.

Na carta, o primeiro-ministro cita os nomes dos professores José Casalta Nabais e Suzana Tavares da Silva, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que caracteriza como especialistas na área do direito do petróleo e do gás e a quem pediu pareceres sobre alguns casos polémicos que envolvem Timor e várias petrolíferas. Os dois professores estão entre os autores de Direito do Petróleo, editado pela Universidade de Coimbra no ano passado.

Segundo o primeiro-ministro timorense, os pareceres dos dois professores portugueses confirmaram duas avaliações anteriores: a do ex-presidente do Tribunal de Recurso, o timorense-português Cláudio Ximenes, que se demitiu em Fevereiro protestando contra o que “estava a acontecer” nos tribunais do país, e a opinião dos seus “advogados externos” norte-americanos. A Arent Fox, com escritórios em Los Angeles, Nova Iorque, São Francisco e Washington, é uma prestigiada firma de advogados que tem entre os seus clientes a cantora pop Taylor Swift e que há dois anos contratou Jack Coleman, um advogado especializado em petróleo e gás. Durante 11 anos, Coleman foi um dos principais advogados do Departamento do Interior norte-americano, nas administrações de Clinton e de George W. Bush. Em nome dos Estados Unidos, enfrentou em tribunal gigantes petrolíferos como a Chevron, e empresas mais pequenas como a Norton e a Amber Resources. O PÚBLICO sabe que o escritório da Arent Fox contratou advogados portugueses que estão a trabalhar para o Governo timorense.

Texto condena sistema judiciário
Em nenhum lado Xanana Gusmão menciona expressamente os magistrados portugueses. A sua leitura condena o sistema judiciário em geral e em particular os tribunais, o Ministério Público e a Comissão Anticorrupção. Quando enviou a carta ao Parlamento, estavam em Timor perto de 30 portugueses a trabalhar na Justiça, entre os quais oito juízes, cinco procuradores e sete oficiais de justiça.

Os alegados erros apontados pelo primeiro-ministro são muito diferentes entre si. Uns são puramente jurídicos, argumentando Xanana que os tribunais não aplicaram as leis fiscais certas nas suas deliberações. O Estado timorense corre o risco de perder 300 milhões de euros, 100 milhões dos quais em taxas petrolíferas não pagas ou deduções consideradas ilícitas. Os restantes 200 são referentes às coimas que deveriam ser aplicadas. Xanana Gusmão disse em entrevistas nos últimos dias que, das dezenas de processos em curso, Timor já perdeu 28 milhões de euros. A abrupta decisão de expulsar os magistrados estrangeiros, entre os quais os portugueses, teve por objectivo parar os processos.

Ignorância é outro dos “erros” apontados. Ou porque os tribunais não compreendem a contabilidade e a mecânica da inspecção fiscal, ou porque não conseguem distinguir as funções e competências, por exemplo, da Autoridade Nacional do Petróleo, que, em algumas circunstâncias, não reporta directamente ao Estado (mas à Comissão da Área Conjunta de Desenvolvimento Petrolífero do Mar de Timor), e da Direcção-Geral das Receitas do Ministério das Finanças, que supervisiona e cobra os impostos do petróleo. Xanana também acusa os tribunais de “falta de profundidade” na análise dos processos e dá o exemplo do litígio entre o Estado timorense e a Minza Oil & Gas, com sede em Jersey, no qual o juiz impediu que o processo fosse a julgamento. Há também queixas sobre lentidão e excesso de burocracia e exemplos de alegada “parcialidade” contra os interesses timorenses e a favor de outra petrolífera, a Conoco Phillips, a ponto de não deixar o Estado defender-se no momento certo.

Em relação ao Ministério Público, Xanana refere como “erros” o caso de contestações iguais, “palavra por palavra”, em copy paste literal, apresentadas em processos em que se discutiam questões diferentes ou ainda diversas “irregularidades” processuais, entre as quais a de juntar processos de oito queixosos e sete questões fiscais diferentes. Xanana apontou ainda o “preconceito do Ministério Público contra o Estado” timorense. Dá como exemplo os processos judiciais que contestaram o seu direito a nomear advogados privados – a Arent Fox – para defender a posição do Estado junto dos tribunais, fazendo o Estado perder tempo com essa questão para, posteriormente, nos recursos, reconhecer que afinal o primeiro-ministro tinha esse direito.

Xanana Gusmão dedica também um capítulo à falta de actuação da Comissão Anticorrupção, na qual trabalhava até agora um antigo oficial português da PSP, que também viu o seu visto de trabalho cancelado seguido de ordem de expulsão. Genericamente, fala em “factos” indiciadores de “eventuais situações de corrupção” que deveriam estar a ser investigados, mas não dá exemplos. Opta, em vez disso, pelo uso de expressões como “negligências grosseiras” e “casos passíveis de serem considerados eticamente reprováveis”.

O primeiro-ministro ignora todos os casos incómodos de corrupção que correram e decorrem ainda em tribunal envolvendo alguns membros do seu Governo e conclui apelando a que seja aberto um “inquérito sobre o que correu mal” na Justiça timorense. Propõe “sanear os mais incompetentes” e deixar de contratar juízes e procuradores internacionais.

Dois dias depois, o Parlamento timorense, "invocando motivos de força maior e a necessidade de proteger de forma intransigente o interesse nacional", aprovou uma resolução suspendendo os contratos com 50 funcionários judiciais internacionais.

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