Vice-presidente do TC e o “notável instinto de sobrevivência” da sobretaxa

TC decidiu contra as pretensões da Madeira, que queria que as verbas cobradas na região fossem pertencem dos cofres do arquipélago. Vice-presidente do tribunal discorda da decisão, dizendo que desde o tempo de Afonso Henriques o país anda aflito.

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João Pedro Caupers discordou da decisão do plenário de juízes que integra lm miguel manso

A receita arrecadada pela sobretaxa do IRS nas regiões autónomas vai continuar a reverter para os cofres do Estado, decidiu esta semana o Tribunal Constitucional (TC) num acórdão que contraria as pretensões do Funchal, que reclama 60 milhões de euros desde 2011.

O PSD-Madeira, através do parlamento regional, pediu a apreciação e declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma que estabeleceu a sobretaxa do IRS, alegando que o caracter excepcional do imposto já não se verifica, e como tal viola o Estatuto Político-Administrativo madeirense, que determina que os impostos arrecadados no arquipélago revertem para o orçamento regional.

Não foi a primeira decisão do TC sobre esta matéria, que tem decidido sempre a favor do Estado, mas o facto de não ter sido unanime e de ter merecido uma cáustica declaração de voto do vice-presidente do tribunal é digno de nota.

João Pedro Caupers questiona o carácter excepcional do imposto, observando o “notável instinto de sobrevivência” da sobretaxa que deveria ter terminado a 1 de Janeiro deste ano, mas “ainda está entre nós”.

“E há sempre uma a jeito: se já não é o PAEF, é o défice. Quando deixar de ser o défice, será a dívida pública. E assim por diante, sempre num quadro de urgência e de excepção, imposto pela, escreve-se no acórdão, “necessidade de garantir a sustentabilidade das finanças públicas” – que, diga-se, se deve fazer sentir desde os tempos do nosso primeiro rei, com pequenos intervalos de folga financeira com D. Manuel I e D. João V”, escreve o juiz, que não subscreve a decisão do TC.

Na declaração de voto, João Pedro Caupers entende que considerar a sobretaxa como um imposto extraordinário, serve apenas o propósito de justificar a “apropriação integral” por parte do Estado do montante arrecadado nas regiões autónomas, com “total desconsideração” das necessidades das finanças regionais. “Pouco importa que as condições de emergência nacional que justificaram a medida em 2011 (PAEF) e a sua manutenção por cinco anos já não subsistam: apontam-se outras, distintas, mas ainda supostamente extraordinárias, alegadamente justificativas da imposição da continuada apropriação daquela receita pelo Estado”, argumenta.

Mais à frente, Caupers, que é professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, e referindo-se à sobretaxa de IRS, escreve que a “patologia aguda tornou-se crónica”, restando agora internar o doente - a autonomia financeiras das regiões autónomas -, enquanto o país aguarda por um “medicamento milagroso”.

O PSD-Madeira que, em sede de discussão do Orçamento de Estado para 2017, tinha apresentado uma alteração a essa norma, já reagiu à decisão, garantindo que irá continuar a exigir de Lisboa a devolução dessa verba.

“Desde 2011 que as regiões autónomas se vêm opondo ao confisco por parte do Estado da receita proveniente da cobrança da sobretaxa de IRS, aplicada aos contribuintes madeirenses e açorianos”, lembrou, em conferência de imprensa, o deputado Carlos Rodrigues.

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