Uma proposta modestíssima para aumentar a transparência nas funções públicas

Os currículos dos políticos são uma lacuna em si mesmos, ocultando muitíssimo mais do que revelam.

Imagine que quer saber um pouco mais sobre Pedro Passos Coelho. Decide por isso consultar a sua biografia no site do Governo onde, no seu Arquivo Histórico, pode aceder a informação sobre todos os membros dos antigos governos.

Acede à página e… não fica a saber nada porque a página onde deveria estar o currículo de Passos Coelho não existe. Apesar de estarmos no Arquivo Histórico do site www.portugal.gov.pt, alguém decidiu que a podia apagar. E o mesmo acontece com todos os restantes membros de governos anteriores. Muitos nem têm já a fotografia. Seria compreensível que a página estivesse marcada com uma “marca de água” que assinalasse que está a consultar uma página de arquivo, mas o seu desaparecimento do Arquivo Histórico é inaceitável.

Se consultar a página de um membro do actual governo no mesmo site lá está o currículo. Sucinto. Mas se procurar um link para o currículo detalhado ele também não existe.

Mas o que lhe interessa neste momento é mesmo o currículo de Passos Coelho. Lembra-se de que PPC é deputado! Vai então à página do Parlamento onde espera encontrar toda a informação que procura mas a biografia de PPC parece uma anedota de mau gosto: tem o nome, data de nascimento, habilitações literárias e profissão (economista!) e é tudo.

É claro que lhe passa pela cabeça ir à Wikipédia, onde descobre que PPC, além dos cargos políticos, trabalhou numa empresa chamada Tecnoforma e noutra chamada Fomentinvest e até vai ao LinkedIn onde encontra uma página quase vazia - mas sabe que a informação do primeiro site não está validada oficialmente e que, no segundo, mesmo que encontrasse alguma coisa, não seria totalmente fiável porque aqui a informação é publicada pelo próprio.

A única coisa que lhe resta é fazer uma pesquisa de notícias no Google e tentar comparar dados para ficar com mais informação.

Não é apenas com PPC que isto se passa. De facto, a informação que podemos encontrar em fontes oficiais sobre os detentores de cargos públicos é, em geral, escassíssima. Devia ser assim? Não. Trata-se de pessoas que nós, o povo, contratamos para cargos de imensa responsabilidade e deveríamos ter acesso ao seu currículo detalhado e actualizado, mas isso nunca acontece.

Não é que os currículos tenham lacunas. Os currículos são uma lacuna em si mesmos, ocultando muitíssimo mais do que revelam.

Pessoalmente, nunca contrataria nenhum dos políticos que preenchem as fileiras do Parlamento ou dos governos com base nos seus currículos oficiais. Porquê? Porque têm tantas lacunas (há anos onde não é declarada nenhuma actividade) e escamoteiam tanta informação (não dizem a escola onde estudaram, não declaram o nome dos cursos que tiraram e muito menos as suas classificações, não referem todas as empresas onde trabalharam e muito menos os cargos e áreas onde trabalharam) que é impossível não pensar que escondem algo de pecaminoso ou pouco abonatório.

E a questão é que não devíamos ser menos exigentes com o currículo de um candidato a deputado, um presidente da câmara ou um membro do governo do que com o de um candidato a um estágio numa empresa.

O que eu exijo saber de um deputado são as suas habilitações académicas (que cursos frequentou, a instituição onde os frequentou, os graus obtidos, em que datas e com que classificação), habilitações profissionais (formações, certificações, onde), todas as suas actividades profissionais sem qualquer excepção e sem qualquer hiato (empresas e outras organizações, cargos exercidos, datas), toda a sua actividade política (partidos e organizações políticas de que fez parte, que cargos exerceu neles e quando) e actividade cívica incluindo actividades não remuneradas (organizações de que fez parte, quando e em que qualidade). É pura e simplesmente vergonhoso e inadmissível que os currículos públicos dos nossos deputados e governantes não respondam sequer aos pontos do chamado currículo europeu que os nossos estudantes preenchem como regra.

Estes currículos devem não apenas ser fornecidos uma vez na vida mas devem ser mantidos actualizados - uma tolerância de um mês na sua actualização parece-me suficiente - e deveria haver sanções para os incumprimentos que deveriam incluir forçosamente a sua publicidade.

Este tipo de informação serve, por exemplo, para que os cidadãos possam avaliar, eles próprios, se consideram que existe ou não compatibilidade nos cargos exercidos em paralelo pelos detentores de cargos públicos. Pessoalmente, tenho imensa curiosidade (não é voyeurismo, é escrutínio democrático) em saber se um deputado, enquanto exerce o seu nobre mister, é convidado a integrar os quadros de uma dada empresa ou a fazer consultoria para outra. E não estou a falar de uma revelação do seu património ou dos seus incrementos e da sua razão, que devem ser escrutinados através de outros meios. O que eu acho é que tenho o direito a saber quem são os cavalheiros e as senhoras que escrevem as leis que determinam como eu devo viver.

jvmalheiros@gmail.com

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