Uma política externa ambiciosa

O universalismo é de facto um trunfo se o quisermos e soubermos utilizar.

Depois de um período de esvaziamento da política externa portuguesa nas suas várias dimensões, no bilateralismo e no multilateralismo, na dimensão europeia, na cooperação para o desenvolvimento e nas comunidades portuguesas, a ambição está de volta, como ficou patente na apresentação das linhas de orientação para o Ministério dos Negócios Estrangeiros que o ministro Augusto Santos Silva fez na abertura do seminário diplomático, que no início de cada ano traça as perspectivas para a acção externa do país

Se Paulo Portas afunilou a política externa na diplomacia económica e Rui Machete se destacou pelo apagamento, ambos prosseguiram uma política de depauperamento dos recursos materiais e humanos das embaixadas e consulados, com consequências negativas na nossa capacidade de representação externa e de atendimento aos portugueses residentes no estrangeiro. Pelo contrário, o novo ministro dos Negócios Estrangeiros evidencia-se pela ambição à altura da nossa presença no mundo e do legado humano e cultural que os portugueses foram deixando pelos cinco continentes ao longo de séculos.

Com efeito, é a primeira vez que um ministro dos Negócios Estrangeiros faz uma abordagem integrada, sólida e coerente das várias vertentes da política externa em que as comunidades portuguesas têm o lugar que verdadeiramente merecem, através de uma presença transversal marcada por um reconhecimento sério do seu imenso potencial económico, cultural, humano e linguístico, envolvendo-as no esforço de desenvolvimento e afirmação do país, tanto interna como externamente e, claro, também com o imprescindível empenho dos nossos diplomatas, como sempre tem acontecido.

A emigração portuguesa é um traço singular da nossa história, uma marca distintiva que transportamos no nosso ADN, que não deve ser encarada com base no preconceito sobre aqueles que tiveram de abandonar o país por razões económicas em circunstâncias de precariedade, mas sim como um activo fundamental com capacidade para valorizar Portugal enquanto nação com uma indiscutível projecção global. Este facto justifica por si só que se implementem políticas públicas que vão ao encontro das suas necessidades e expectativas, o que, com a desculpa da austeridade, não se verificou nos últimos quatro anos.

Ao potencial de projecção global está naturalmente associada a língua portuguesa e, com ela, uma identidade, uma cultura e um modo de viver que passa por uma propensão para uma fácil integração e miscigenação que nos caracteriza, o que foi um grande contributo para que os portugueses estivessem entre os pioneiros da globalização, moldando o universalismo que tanto gostamos de afirmar como uma das marcas da nossa identidade colectiva.

E este universalismo é de facto um trunfo se o quisermos e soubermos utilizar e faz parte estrutural do humanismo português, que ao longo de séculos, no passado como no presente, afirmámos e afirmamos no mundo e é um rosto da nossa singularidade, para utilizar a expressão do ministro Santos Silva. E é esta singularidade que devemos assumir sem complexos, mas também sem sobranceria, como um dos instrumentos centrais para a projecção da nossa política externa.

Como o demonstra a nossa história e a forma como nos fomos relacionando com os diferentes povos nos cinco continentes, os portugueses sempre demonstraram uma capacidade muito particular para agirem como, citando Eduardo Lourenço, “intérpretes de culturas”, em África como nas Américas, na Ásia como na Oceânia. E é neste contexto que podemos encontrar o humanismo português, isto é, numa atitude cosmopolita que sempre tivemos no mundo e nos permitiu ir para além daquilo que à partida seria imaginável para um povo nativo de uma pequeno país sem grandes recursos, mas com grande engenho e espírito de aventura.

Tendo, paradoxalmente, assomos de provincianismo interno, temos também provas dadas sobre a capacidade para sairmos do nosso etnocentrismo, criar empatias com outros povos e culturas, e assim construir as pontes necessárias para termos aliados em todas as regiões, em diferentes contextos culturais e nas organizações internacionais. E estes são também aspectos fundamentais para garantir eficácia na promoção da língua e das culturas que unem povos irmãos em todos os continentes e tão úteis são para potenciarmos e afirmarmos o riquíssimo universo contido na CPLP, ainda muito longe de estar plenamente aproveitado. Este é o cerne da acção diplomática anunciada pelo novo Governo liderado por António Costa.

Com efeito, uma das melhores formas de ultrapassarmos um certo fatalismo nacional e um pessimismo militante autoflagelador é injectar ambição na nossa política externa e levar para outras paragens tudo aquilo que de bom somos e fazemos, com a humildade e simplicidade que nos caracteriza.

Deputado do PS

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