Um país macroeconomicamente aborrecido

Portugal, do ponto de vista do noticiário económico internacional, perdeu a graça. Passámos a ser um país macroeconomicamente aborrecido. Ainda bem.

Contava-me há tempos um ex-correspondente de imprensa em Portugal durante os anos pós-revolucionários que um dia, quando ele estava à beira de terminar aqui o seu trabalho e abandonar o nosso país, o então primeiro-ministro Mário Soares decidiu convidá-lo a ele e aos confrades da imprensa estrangeira para um almoço. E na altura do brinde, para surpresa de todos, não só Soares elogiou o correspondente de imprensa que partia como lhe disse: “ainda bem que se vai embora”. E acrescentou: “os correspondentes de imprensa gostam de estar onde há desgraças; a sua partida é sinal de que vamos passar a ser um país aborrecido”. Evidentemente, Portugal não iria deixar de ter problemas e os políticos como Mário Soares não iriam deixar de ter matéria com que se entreter. Mas, do ponto de vista da imprensa internacional, sem golpes e contra-golpes de estado, sem tanques nas ruas, sem estar à beira da guerra civil, Portugal perdia a graça. Pior para os correspondentes, melhor para os portugueses.

Ouvi esta história e contei-a a uns amigos aqui há um par de meses. E a primeira reação foi a seguinte: “não sei se sabes, mas o Wall Street Journal acabou de retirar o seu correspondente de Portugal”. Ou seja, um dos grandes jornais financeiros do mundo acha que Portugal deixou de ter interesse. Isto é interessante, mas para nós: não quer dizer que Portugal vá deixar de ter problemas económico-financeiros, mas quer dizer que Portugal, do ponto de vista do noticiário económico internacional, perdeu a graça. Passámos a ser um país macroeconomicamente aborrecido. Ainda bem.

A saída de um correspondente da imprensa internacional é, pois, um sinal dessa bem-vinda mudança de estatuto. Mas não é o único. Há, por exemplo, sinais claros de aproximação sobre a questão da dívida, desde o relatório do Grupo de Trabalho sobre a Dívida Pública, que se resguardou de decretar a insustentabilidade da dívida portuguesa e enjeitou defender a sua renegociação unilateral, às declarações de Mário Centeno que mais recentemente proclamou taxativamente a sustentabilidade da mesma. O crescimento económico, em que Portugal é um dos países que puxa pela subida da média da zona euro, ajuda a baixar o défice com menos esforço. A saída do procedimento por défice excessivo dá alguma folga para o investimento e, num futuro plausível, a subida da notação portuguesa nas agências da especialidade ajudará os juros a baixar. Poderíamos continuar.

Tudo isto são tendências previsíveis desde o ano passado. Enquanto isso, porém, o país jornalístico e político obcecava-se com duas notícias que não deram em nada: se bem se lembram, tivemos no primeiro semestre as sanções que não vieram e, no segundo semestre os SMS de Mário Centeno que o seu destinatário na Caixa Geral de Depósitos diz que afinal não mostrou a ninguém. Como é natural, os correspondentes da imprensa financeira internacional não ficam aqui para caçar gambozinos desta linhagem. Mas o país político e jornalístico não tem outra hipóteses, e custa-lhe fazer o desmame das emoções fortes e aceitar que passámos da montanha-russa para a geringonça.

Há, no horizonte, duas respostas possíveis a esta situação. A primeira, que é mais provável, será o aumento da conflitualidade política, de forma mais ou menos artificial, através de “casos” — nomeadamente com a aproximação das eleições — que encham os noticiários e entretenham os políticos. A segunda, que seria a resposta mais consequente, consistiria em dirigir o debate para a seguinte pergunta: como é que Portugal sai do seu longuíssimo ciclo da vulnerabilidade? No passado (bem antes de haver euro, imaginem) Portugal explorava colónias, empobrecia ditatorialmente, emigrava, ou falia de quando em vez. E agora?

Aí está uma questão aborrecidíssima para o Wall Street Journal e o Financial Times. Quem sabe, é capaz de ser interessante para nós.

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