Um novo ciclo interpela o PS

Entre nós cabe ao partido do Governo saber navegar para além da bolina, olhando para mais longe do que a conservação e gestão do poder.

O mundo iniciou um novo ciclo. A crescente desregulação à escala planetária colocou o primado do dinheiro sobre tudo o mais, abalando os alicerces das sociedades.

A cedência dos princípios e valores e dos ideários pelos partidos políticos socialistas e sociais-democratas, que na Europa eram charneiras de equilíbrio democrático e de progresso, passou a ser uma realidade. Só quando o trovão subiu em decibéis se lembraram de Santa Bárbara. Blair e Durão Barroso, líderes que se reclamavam desses ideais, ficaram conhecidos não apenas pela fotografia com Bush nos Açores.

Acabaram premiados, aceitando papéis que iniciaram a desordem mundial. O que ocorreu no Iraque e não só passou a rimar com caos. A Europa e milhões de refugiados sofrem hoje os seus efeitos. Com naturalidade, Durão Barroso sentou-se na Goldman Sachs. Como natural foi a aceitação do convite da empresa russa Gazprom ao ex-chanceler da Alemanha e líder do SPD Gerhard Schroeder, para ser responsável da Nord Streem AG. O petróleo já está a incendiar a política e os políticos. Tudo normal.

ão admira que o inenarrável Donald Trump fosse ainda mais longe nesta forma de estar, não pestanejando na nomeação para o seu Governo de personalidades ligadas à Goldman Sachs e à petrolífera Exxon Mobil. É o caso da nomeação de Rex Tillerson, patrão da petrolífera e também amigo de Putin, para seu secretário de Estado.

Portugal entretanto vendeu todos os anéis, enviando às urtigas o domínio nacional de setores estratégicos. Decapitaram-se empresas e empresários dignos. Pouco ou nada resta. Sobram agora 8% da banca nacional, depois do que se passou no BES, no BCP, no Banif, no BPP e com a CGD a carecer de uma forte recapitalização a ser paga pelos contribuintes. E porque a afirmação de Portugal no mundo está para além da União Europeia (UE) e se joga também na lusofonia e nas relações ibero-americanas, passámos a carpir mágoas pelas consequências da crise que atinge todos os países que falam português.

Aprisionados a um pensamento pequenino, deixámos de pensar de forma estratégica. Abdicámos de contribuir para desígnios comuns, nomeadamente para a defesa das zonas marítimas exclusivas dos países lusófonos, sem termos consciência que essas zonas são apetecíveis para a UE, podendo esta ambicionar gerir as dos países que dela fazem parte.

Sendo o português a língua mais falada do Atlântico Sul, não se entende a ausência de contributo para que sejam os países lusófonos a assumirem a defesa da segurança desse flanco. Adriano Moreira tem também razão nesse ponto. Pensando pequenino, seja por tacticismo da preservação do poder, seja porque outros pensam em reconquistá-lo ou conquistá-lo, é muito pouco para quem se orgulha da memória própria e da dos povos que falam a quarta língua mais falada do mundo.
Porque pensamos pequenino, nem nos demos conta, a tempo, da razão pela qual só recentemente, após a eleição de Trump, os países da OPEP acordaram fazer baixar a produção do petróleo, o que não ocorria desde 2008. É de ter presente que 40% do Orçamento russo provém da venda do petróleo. O valor do barril, que até outubro de 2016 era de 42 dólares, em média está hoje em 57 e seguramente a média para 2017 não será menor do que 53 dólares. Este aumento é superior a 23% em relação a 2016, facto que conjugado com a subida do dólar torna as nossas importações mais caras e as exportações mais baratas. No meio disto, há a perspetiva do aumento dos juros sobre os empréstimos que Portugal contraiu, agravando a dívida e o défice, sem falar no que ocorrerá com o Novo Banco e a CGD.

O “Brexit”, ao arrastar a Inglaterra para fora, retirou da UE o país com maior capacidade militar para a sua defesa. Daí a inevitabilidade de a Alemanha começar a cuidar do reforço militar próprio para poder cuidar também do que resta da União Europeia. Mundo incerto este, de facto, que deve ser olhado com visão realista e ousadia.

E, por dever sê-lo, entre nós cabe ao partido do Governo saber navegar para além da bolina, olhando para mais longe do que a conservação e gestão do poder. Com estratégia. Sei que não é fácil, mas não há outra via nem o invoco na undécima hora.

Esta exigência é essencial para o futuro, porque este novo ciclo interpela o PS, confrontando-o com uma realidade que não dá lugar a que falhe. E não pode falhar. Este é que é o ponto. Só fazendo força nesse sentido podemos ajudar.
 

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