Um congresso num tempo especial

O congresso do PS acontece num tempo muito especial da vida política portuguesa e europeia. Desde logo, como a moção do secretário-geral o demonstra, ainda não foi absorvida, completamente, esta ideia de um governo minoritário com o apoio de todos os partidos à esquerda, mas também não tem sido entendida a linha de ação de Portugal no espaço europeu que não seja o pragmatismo e a fé. A moção que Costa leva ao conclave máximo é justificativa no primeiro caso; e é insuficiente no segundo.

A contrário do que afirmam Assis e Sousa Pinto, este governo existe porque se impunha perante o resultado das eleições. Não que as visões políticas e programáticas dos partidos o possibilitassem, não que a História o recomendasse, mas a crise que se viveu nos últimos anos não deixava margem, ao PS, para qualquer opção. Era imperativo ouvir o partido e os resultados eleitorais. Em tempo normal não teria havido esta solução governativa, mas o tempo que vivemos é tudo menos normal.

Para além disso, havia e há o crédito dos lideres. Se Passos Coelho se havia exaurido numa governação sem rumo e subjugada, Costa era, por natureza, um líder com a competência e a habilidade para congregar, para fazer cessar, pelo menos simbolicamente, uma parte do sofrimento de milhões de portugueses. A verdade é que, até agora, o conseguiu.

Mas tudo isto chega para um projeto de governo, para determinar uma mudança significativa de política que permita o investimento com aumento de rendimento e contas públicas saudáveis?  Não, não é suficiente. A moção é, neste ponto de vista um amplo e provocador “buraco negro” que o congresso deveria analisar com cuidado e atenção.

O PS é um grande partido. Assume, por agora, funções do governo que se podem limitar a cristalizar os problemas, a adiar as soluções. É, por isso, que não basta pensar só no poder enquanto poder, é por isso que devemos ir mais além na leitura do mundo de hoje.

Não vale a pena esconder, o PS tem linhas internas que se afirmam em campos muito distintos da ação política. Até os resultados eleitorais nos dizem que há dois PS dentro do PS e um não pode perder o outro, sob pena de se perderem os dois.

Governar deve ser reverter as más políticas que foram seguidas. Mas governar deve ser, também, dar esperança, dar sentido e futuro. O PS está muito retraído nessa mensagem de esperança, ela só nos aparece nas palavras do primeiro-ministro, mas um governo não é feito de uma só pessoa, um partido não é feito de uma só voz.

Para que esta experiência governativa não fique na má memória dos portugueses, como ficou o Bloco Central entre 1983 e 1985, o PS não pode pensar todo da mesma forma nem o governo pode ser um espaço de medos e de inacção. O congresso deve abrir novas portas e deve integrar o país, todo o país.

Como já dissemos, no meio disto tudo salva-se o líder, com as suas imensas capacidades mas, ainda, com o visível “síndrome do alcaide”. A sua existência foi a única razão que levou muitos socialistas a apoiarem, nos momentos decisivos, o caminho que seguimos. Que o líder saiba também ouvir estes cidadãos e estes socialistas.

Membro da Comissão Política do PS

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