Três ou quatro notas sobre Cavaco Silva

Já ouvi o ex-Presidente, entrevistei-o e li o livro que lançou. É tempo de lhe fazer um post scriptum.

1. Cavaco Silva tem razão. Cavaco Silva não tem razão. Tem-na quando diz que “a fibra de um presidente” se vê também quando está a contravapor. Mas não terá razão se achar que é só aí: também há “fibra” num presidente que desbrave caminhos para uma solução, que lidere o caminho de uma mudança.

2. Cavaco Silva terá razão quando diz que a popularidade de um presidente não se mede no curto prazo, que o seu lugar na História só se constrói com tempo. Mas não tem razão se achar que a popularidade de um presidente não deve ser medida durante o mandato. Se é do povo que vem o seu poder, é com ele que se exerce o poder. Olhando-o nos olhos.

3. Cavaco Silva terá razão também quando diz que o poder do Presidente tem limites, que não podia dizer que o país estava à beira de um resgate, que não lhe cabia governar, que não podia ir mais longe. Mas não, Cavaco Silva não tem razão se acha que um presidente não podia demitir o Governo (até porque ele soube como fazê-lo, só que muito tarde, depois de uma reeleição).

Cavaco Silva não tem razão porque a maior fragilidade dos seus mandatos foi a limitação que ele viu nos seus poderes, que o limitou na acção; foi a maneira como se afastou dos portugueses, porque com isso perdeu poder; foi a distância a que pôs os media, porque sem os ler e procurar perdeu influência. Cavaco foi um presidente ensombrado pelo que lhe tinha feito Soares, quando esteve em Belém. Foi essa a sua fragilidade: não saindo do seu lugar, limitou a sua acção.

4. Não se nega a evidência: Cavaco Silva lutou durante estes dez anos (para lá dos outros) pelo que achou melhor para o país. Fê-lo muitas vezes contra ventos e marés, o que abona em seu favor. Mas não tem o seu passado resolvido. No seu livro, escreveu sobre o caminho até ao resgate, sobre as campanhas de insinuações, sobre a “vigilância” a Belém, sobre a forma como Sócrates geria a CGD e a venda da PT, sobre os nomes que lhe vetou para o cargo de procurador-geral da República. Mas, na entrevista ao PÚBLICO, evitou os seus erros e limitações, assim como os casos e insinuações. E fugiu da Operação Marquês, como se o tempo que descreve daquelas quintas-feiras não fosse o que está a ser investigado pelo Ministério Público.

A pergunta é “absurda”? Percebe-se o desconforto. É ver o de Jorge Sampaio em, tantos anos depois, lidar com a saída de Santana Lopes. Mas se é cedo para digerir uma presidência difícil, mesmo que de consciência tranquila no essencial, o melhor será Cavaco dedicar-se ao futuro. É ler o que ele diz hoje sobre a Europa e percebemos que o papel de um ex-Presidente não tem de ser o de ficar parado no Convento do Sacramento.

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