TINA contra TINA a Europa não atina

Felizmente, a democracia é mais do que ter de escolher entre a TINA (“there is no alternative” ou “não há alternativa”) da saída do euro e a TINA da austeridade.

Os leitores desta coluna devem estar lembrados de uma polémica em torno da saída do euro que motivou um pingue-pongue a três entre Carlos Carvalhas, José Gusmão e eu. Pois bem, a crónica de hoje é o reverso da moeda, mas com Vital Moreira, ex-eurodeputado, e António Cabral, ex-funcionário da Comissão Europeia, em discordância comigo. O ponto de vista de ambos é diametralmente oposto ao dos meus anteriores interlocutores, mas — é a minha opinião — ambas as perspectivas, por opostas que sejam, acabam por reforçar a frustração que tanta gente sente com o projeto europeu hoje.

Vamos ao pormenor.

Em resposta a uma crónica minha sobre o eurogrupo, Vital Moreira defende (no seu blogue Causa Nossa) que teria sido impossível gerir a crise de 2008 como União e não como mera coleção de países, escrevendo que “não havia instrumentos nos Tratados para esse efeito”. Escreve também, a propósito da ideia que defendi de substituir Dijsselbloem por Moscovici (que por ser membro da Comissão estaria obrigado a responder perante o Parlamento Europeu e a respeitar a jurisdição da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais) que “ um membro da Comissão nunca poderia ser presidente do Eurogrupo, que é uma formação informal do Conselho”. Ora, tentando não ser demasiado técnico, os tratados já previam antes da crise que a União se pode “dotar dos meios necessários para atingir os seus objectivos” — entre outros, coesão, solidariedade e pleno emprego — através de um processo legislativo especial, por unanimidade, para criar instrumentos orçamentais novos para a UE (artigo 311 TFUE). Mesmo sem unanimidade, um conjunto de países pode sempre iniciar uma “cooperação reforçada” para atingir os mesmos objetivos. As “impossibilidades” de que fala Vital não são obstáculos jurídicos, mas políticos. E é enquanto obstáculos políticos que algumas supostas impossibilidades dos últimos anos têm vindo a ser superadas. O mesmo vale para a substituição de Dijsselbloem. Num relatório recente sobre reformas para a UE no âmbito do Tratado de Lisboa, o Parlamento Europeu diz claramente “que é possível fundir o cargo de Presidente do Eurogrupo e de Comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros” e aconselha a tomar-se essa opção (Relatório Bresso/Brok). Em suma: não é por uma opinião ser convencional, mesmo que Vital Moreira partilhe dela, que se torna num facto.

Passando a outro interlocutor: António Cabral contesta numa extensa crónica em duas partes (aqui no PÚBLICO) uma breve referência minha ao facto de a “saída limpa” portuguesa ter deixado de fora as enormes debilidades da banca nacional. Sublinha ele que o pedido de resgate do governo português fazia apenas referência a problemas de liquidez e não de solvência da banca portuguesa e apela aos discordantes “que se queixem a Sócrates, primeiro-ministro de então, não a Passos/Portas”. Ora, podemos certamente queixar-nos de ambos, não? Eu, pelo menos, queixo-me. E queixei-me também, desde então, da atitude das instituições europeias e de grande parte do comentariado nacional e internacional da época. Durante anos toda esta gente agiu como se o problema de Portugal estivesse nos Custos Unitários do Trabalho enquanto descurava, até ao fim do programa, o perigo do nosso sistema financeiro. António Cabral acha que “o programa foi 'concentrado no Estado' e bem”. Certamente tem razão numa coisa: grande parte dos nossos políticos e eurocratas concordaram com isso. Pois essa é precisamente a nossa divergência — de políticas e não de factos.

Felizmente, a democracia é mais do que ter de escolher entre a TINA (“there is no alternative” ou “não há alternativa”) da saída do euro e a TINA da austeridade. A alternativa para Portugal é uma grande revalorização interna das pessoas, do conhecimento e do território. E a alternativa para a Europa é uma profunda democratização deste projeto civilizacional único que está em riscos de se perder. Demora mais e dá mais trabalho. Mas com uma grande vantagem: estas são as alternativas que mais podem mobilizar uma maioria de portugueses e europeus.

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