Taxa do audiovisual entregue ao Estado cria perigo de governamentalização da RTP

Conselho Geral Independente contra medida do Orçamento do Estado que prevê entrega da CAV à Autoridade Tributária em vez de directamente à RTP.

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António Feijó é o presidente do CGI, que entrou em funcionamento há dois anos LM MIGUEL MANSO

O Conselho Geral Independente da RTP criticou esta sexta-feira a proposta do Governo para que as empresas eléctricas que cobram a CAV – contribuição para o audiovisual – passem a entregá-la à Autoridade Tributária em vez de o fazerem directamente à empresa pública de rádio e televisão, como acontece desde 2003.

Em comunicado, o órgão de supervisão avisa mesmo que a alteração, “sem qualquer justificação perceptível”, do modelo de cobrança e entrega da verba que sustenta a RTP “cria a possibilidade de governamentalização do serviço público de televisão”. E diz não querer acreditar que seja este o objectivo da alteração constante no Orçamento do Estado (OE) para 2017. “A sua possibilidade futura é, todavia, factor de apreensão, pois, a consumar-se, tal constituiria uma grave violação da independência da RTP.”

É que a partir do momento em que o dinheiro entrar nos cofres das Finanças, ele só será transferido para a RTP quando o ministério entender - e isso faz lembrar os tempos em que sucessivamente a empresa teve que se endividar porque as transferências da indemnização compensatória só chegavam no fim do ano.

Porém, a alteração introduzida na proposta do OE2017 resulta de uma recomendação que o Tribunal de Contas tem vindo a apontar repetidamente nos seus relatórios anuais sobre a Conta Geral do Estado. Nos últimos anos, o TdC tem afirmado que a RTP contabiliza “indevidamente” a CAV como uma receita proveniente da “venda de bens e serviços correntes”.

Apesar de o Governo de Passos Coelho ter reclassificado a CAV como uma “taxa” em 2015, o Tribunal de Contas considera isso um erro porque não se trata da “contraprestação por um serviço prestado”. Para esta entidade, a CAV é um “imposto” e, por isso, “devida ao Estado”, e deve ser obrigatoriamente inscrita como receita do Estado na lei do orçamento anual. O Governo tem estado, assim, “omissão”. Por isso o TdC tem recomendado que o Governo faça a contabilização formal da CAV através da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente do CGI afirma que não há "objecção do Conselho Geral ao que recomenda o Tribunal de Contas", mas defende que esta entidade não manda que a entrega da receita seja entregue à AT, e sim que seja feita apenas a inscrição da verba no OE. "Esse imposto indirecto é consignado ao serviço de televisão e por isso deve ser incluído no orçamento,, mas não quer dizer que esteja na tesouraria", argumenta António Feijó. Que faz questão de vincar que o CGI está "ciente de que não há impulso neste OE para a governamentalização, mas esta mudança traz esse perigo para o futuro".

Modelo em vigor há 13 anos

O Conselho Geral realça que o modelo vigente há 13 anos resulta de uma decisão legal que visava “conciliar, por um lado, a imposição constitucional de financiamento público do serviço público de radiodifusão e de televisão, e, por outro lado, a imposição, também ela constitucional, de independência desse serviço público do poder político”.

O CGI considera que o modelo “está consolidado e a sua aplicação tem sido pacífica”, pelo que não há razão para o mudar e acrescenta que está confiante que na discussão na especialidade esta proposta do Governo será “reconsiderada”.

A CAV é debitada mensalmente nas facturas da electricidade e as empresas entregam o dinheiro directamente à RTP, cobrando por esse serviço alguns cêntimos. No OE2016 estimava-se que a estação pública recebesse este ano 180,2 milhões de euros, um valor que apesar de não entrar (até aqui) nos cofres do Estado, era cabimentado no gabinete da tutela – o Ministério da Cultura. Para 2017, a proposta do OE prevê um aumento da CAV para 183,7 milhões de euros. A CAV é a principal fonte de financiamento da RTP, a que se somam as receitas comerciais (publicidade) na ordem dos 44 milhões de euros.

A tarifa normal da CAV é de 2,85 euros – foi aumentada 20 cêntimos pelo OE2016 – e de um euro para as famílias que são beneficiárias de apoios sociais como o complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção, subsídio social de desemprego, o primeiro escalão do abono de família ou pensões sociais de invalidez.

maria.lopes@publico.pt

Notícia actualizada às 16h30 com a informação da recomendação do Tribunal de Contas e às 20h com a reacção do presidente do CGI.

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