Rui Moreira e a Selminho

Campanha suja não é fazer perguntas. Campanha suja é fugir às respostas.

Tenho acompanhado com o maior interesse o caso Selminho, até porque qualquer caso chamado “Selminho” mereceria sempre o meu interesse. Mas como admito que o caro leitor não seja tão sensível quanto eu às maravilhas da onomástica empresarial portuguesa, aqui estou para lhe explicar tudo.

A Selminho é uma empresa de Rui Moreira e da sua família, que em 2001 adquiriu cerca de dois mil metros quadrados de terreno numa encosta da Arrábida, Porto. Rui Moreira e a Selminho garantem que nessa altura esse terreno era edificável, em virtude de normas provisórias que vigoravam na cidade, enquanto o PDM aguardava aprovação. Quando o PDM foi finalmente aprovado, em 2006, essa área de terreno foi classificada como “não edificável”, por ter sido considerado que existia perigo de derrocada (Rui Moreira chama-lhe “um impedimento geotécnico”). Moreira – e a Selminho – discordaram dessa classificação, e em 2010 processaram a câmara. Em 2011, o município entregou a contestação, ao que parece fora do prazo. Em 2012, a câmara do Porto – ainda sob a direcção de Rui Rio – pediu um parecer ao LNEC sobre o tal “impedimento geotécnico” nos terrenos da Selminho. Segundo Rui Moreira, o parecer “concluiu pela incorrecção da proibição total de edificação”.

Em 2012, o executivo de Rui Rio, em virtude do parecer do LNEC, admitiu a possibilidade de rever o PDM, mas para não efectuar uma alteração casuística decidiu adiar a decisão para a data prevista para a sua revisão, em 2016. Em 2014, já com Rui Moreira como presidente da câmara, o juiz do processo terá instado as partes a chegarem a um acordo, antes de proferir sentença. E as partes assim fizeram. Num processo liderado não por Rui Moreira mas pela sua vice-presidente, Guilhermina Rego, a câmara acordou com a Selminho avaliar a possibilidade de se poder edificar nos terrenos e, em caso negativo, dirimir o conflito num tribunal arbitral. A Selminho retirou a queixa e decidiu esperar pela revisão do PDM. O acordo foi assinado em 2014, sem ter ido a reunião de câmara.

Regresso ao presente. Na reunião de câmara de 19 de Julho, o vereador da CDU Pedro Carvalho questionou o executivo de Rui Moreira sobre este acordo. Rui Moreira levantou-se e saiu da sala. Uma semana depois, o presidente da Câmara do Porto publicou um artigo no Jornal de Notícias intitulado “A campanha começou suja”, onde acusa Pedro Carvalho de fazer “cópia servil” de um mail anónimo de 13 de Julho com o “guião das suspeitas” e de assumir “o desonroso papel de ser a barriga de aluguer de um texto anónimo e cobarde”. Segundo Moreira, foi ainda criada uma página no Facebook com o objectivo de “ampliar as calúnias”, e por essa razão o autarca decidiu apresentar queixa na Procuradoria contra “desconhecidos sem escrúpulos”.

Qual é o meu problema com isto? É só este: não há qualquer justificação para uma reacção tão destemperada por parte de Rui Moreira. A facilidade com que neste país se transforma o escrutínio público num atentado à honra é escandalosa. Pedro Carvalho fez as perguntas que entendeu e as justificações de Rui Moreira parecem, à primeira vista, sólidas. Porquê tanta histeria, então? É claro que podemos discutir o timing do caso. Mas estando em causa um acordo assinado há dois anos, envolvendo uma empresa do presidente da câmara e subscrito pela sua vice-presidente, não será óbvio que Rui Moreira tem de ser escrutinado? Campanha suja não é fazer perguntas. Campanha suja é fugir às respostas.

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