Que enigma labiríntico é Pacheco Pereira?

É provável que sejam mais as ideias que nos separam. Mas junto-me a elas – ou junto-me nelas – porque se tornaram fruto raro da árvore chamada Pensamento.

Tenho dado por mim a interrogar-me por que será que cada vez me identifico mais vezes com o que este homem diz. Será porque ele girou 180 graus? Ou girei eu?... Não me parece. Claro que, como tudo no Mundo, ambos devemos ter girado alguns graus. Mas nem sempre, necessariamente, no sentido de uma aproximação.

Então porquê? Qual será a principal razão?

Também sei que não é por qualquer tipo de tacticismo político dentro de mim. Se o fosse, eu não estaria, certamente, a entrar N vezes em rota de colisão frontal, e violenta, com as “esquerdas”. Mesmo que isso não signifique a mais remota possibilidade de aproximação a estas “direitas” que temos (e não só em Portugal). E talvez seja por isto mesmo que cada vez mais me delicio quando dou conta que estou a pensar com ele. Nem sempre como ele. Mas com a possibilidade de partilhar do pensamento de outro. De um outro que pensa fora do mainstream do politicamente correcto, contrariando mesmo um certo (supostamente) à margem, que é o ramalhete que decora o próprio status quo.

Por acaso – por acaso, como quem diz – é de Pacheco Pereira que estou a falar. Mas poderia (dificilmente no panorama real) ser de uma outra singularidade intelectual numa zona – a dos intelectuais – que fazem o percurso inverso das gerações que os antecederam. Com ou sem razão, às vezes a extremos de práticas profundamente chocantes e, hoje, seguramente condenáveis, eles, que tantas vezes se enganaram (tragicamente o caso dos comunistas com Estaline), representavam verdadeiramente uma consciência do Mundo. Enquanto o sentido centrípeto deste sistema de ideias (travestidas de “pragmas”) os atrai para a ribalta e/ou para o medo de serem confundidos como herdeiros do que já ruiu. Mas não cuidam de saber, de se interrogar, se amanhã não são eles os verdadeiros herdeiros históricos – não ideológicos – dos outros. Ou seja: os que perdem de vista a capacidade crítica para aceitar o inaceitável, mesmo que condicionado pelo ar de época, e se substituem na ideação de um Fim da História, ainda por cima determinista.

Sem complexos, medos ou maravilhamentos, vendo o lado subjectivo da coisa, Pacheco Pereira já exorcizou fantasmas: foi marxista-leninista-maoista (convictamente, penso) e foi (convictamente também, creio) um neoliberal, com ou sem rótulo autocolante. Mas como o que foi – e é – não se atém a estes, não vive no terror de lhe descobrirem o passado ideologicamente criminoso, nem de ter de se justificar dele: seja um ou o outro. Porquê? Ora, exactamente porque o que foi, ou o que é, resulta de pensamento próprio e não de afiliação na marcha da História… Quando, como o próprio diz, a História, afinal, é do que de mais caótico há. Mesmo que se lhe possam aplicar assimptotas, direi eu por mim, não é inteligente tomá-las por leis. Muito menos quando, mesmo ao nível das ciências exactas, a Física Quântica veio estoirar com todos os determinismos.

Julgo que é por isto tudo que, tal como, outrora, certos pensadores, foram tidos como faróis da Humanidade no meio de uma escuridão em que nada se via, a atitude crítica genuína deste homem é a sombra necessária para descansar de um caleidoscópio de sóis artificiais que nos atordoam e cegam. Nele, uma ideia não é reduzida a um sound-byte, nem as sinapses que a originam residem num bit, como uma combinação binária de dois neurónios apenas. Mesmo quando produz um sound-byte, este resulta de uma síntese de algo mais do que os cinco minutos de fama de que Warhol falava. Não creio que Pacheco Pereira corra atrás dos holofotes. Se alguma coisa o atrai na passerelle mediática é percorrer o caminho sem olhar qual a que terceiros desenrolaram à sua frente. Se assim não fosse não referiria Kackzinsky – independentemente da distância que dele tenha – sem receio de interrogar a civilização tecno-industrial. Nem teria, há bastantes anos já, feito a evocação de um adversário político de juventude, mais ou menos desconhecido, de quem a própria família ideológica se esquece: Francisco Sardo.

Isto não é um elogio a Pacheco Pereira, nem sou pacheco-pereirista: coisa que, felizmente, o seu pensamento inesperado não permite ser-se. Aliás, se escarafunchar bem, é provável que sejam mais as ideias que nos separam do que as que nos juntam. Mas junto-me a elas – ou junto-me nelas – porque se tornaram fruto raro da árvore chamada Pensamento, assim com P grande e tudo.

Afinal, não é ele um enigma, nem um labirinto. Enigmático labirinto é este, em que nos meteram em sucessivas little boxes, que Seeger glosava na sua canção.

Encenador, castroguedes9@gmail.com

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