Quase criminosos

Não tenho a menor dúvida de que BES e Caixa tenham sido assaltados por gente da pior espécie, mas entre essa gente não está Coelho, Albuquerque, Costa ou Centeno.

Esta semana Pedro Passos Coelho utilizou palavras duríssimas para classificar a forma como o actual governo está a gerir a crise no sistema bancário português, em particular no Novo Banco e na Caixa. Passos Coelho falou numa “destruição de valor que não tem compreensão nem perdão” na CGD, e, a propósito da divulgação da carta onde o governo afirmava que se o Novo Banco não fosse vendido até 2017 avançaria para um “processo ordeiro de liquidação”, chegou mesmo a afirmar que tal atitude era “quase criminosa”. O líder do PSD pode ter toda a razão quanto a estes dois pontos, mas na política portuguesa há sempre cromos para troca: quando ontem ouvimos Eurico Brilhante Dias apresentar o relatório preliminar da comissão de inquérito ao caso Banif concluímos que, se o critério for muito apertado, “quase criminosos” é o que não falta por aí, e tanto Passos Coelho como Maria Luís Albuquerque correm o risco de entrar no grupo.

Proponho, portanto, o seguinte: que comecemos por separar o verdadeiro crime da incompetência política, porque houve muitos crimes e houve muita incompetência, e convém não os misturar. António Costa e Mário Centeno não parecem estar a ser muito competentes, mas Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque também não o foram. E há este problema: o sistema bancário nacional é um péssimo ringue para a luta política. PS e PSD que façam o favor de ir andar à pancada para outro lado – e, de caminho, admitam o óbvio: o estado da banca portuguesa, aliado ao estado das contas públicas, é de tal modo complexo de gerir que o governo anterior não teve unhas para isso, tal como o actual não está a ter. Novos e antigos governantes podem ser incompetentes, cobardes, manipuladores, limitados ou até mesmo burros, mas de nada adianta chamar-lhes “quase criminosos” (excepto àquele que vocês sabem). O sistema bancário português em 2016 é um caso de emergência técnica, e não de luta política – PS e PSD só ganhariam em entender-se, porque mesmo que o país desabe novamente por causa do Novo Banco ou da Caixa, e Pedro Passos Coelho volte a ser primeiro-ministro, Portugal estará num estado tão miserável que vai ser muito pior do que em 2011. A não ser que o líder do PSD seja um arrebatado masoquista, a solidificação do sistema bancário deve ser um desígnio comum a todos os partidos, pelo menos enquanto o Partido Comunista não descobrir, e partilhar com o mundo, como se consegue gerir uma economia sem bancos.

Não tenho a menor dúvida de que BES e Caixa tenham sido assaltados por gente da pior espécie, mas entre essa gente não está Coelho, Albuquerque, Costa ou Centeno. Esses estão a tentar safar-se como podem. No último sábado, Passos Coelho deu uma entrevista ao DN onde falou da sua gestão de Banif e CGD. É só ler nas entrelinhas: os problemas foram sendo empurrados com a barriga porque na altura não havia dinheiro para mais. O fundo de resolução estava tomado pelo BES, o pacote financeiro da troika exigia juros altíssimos e a Caixa não podia recorrer ao envelope dos 12 mil milhões. A estratégia foi apostar na limpeza progressiva dos balanços e rezar para que a economia descolasse. Na terça-feira, António Costa declarou: “Para encenar uma falsa saída limpa do programa de ajustamento, o PSD escondeu a situação do BES e do Banif.” Sabem que mais? Eu acredito nele. Mas teria sido melhor falhar a saída limpa? Não sei. Mas sei que isto devia estar a ser discutido com seriedade, e não está.

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