PS acalma euforias para não ceder às tentações da esquerda

Dois dias de jornadas parlamentares em que o PS tentou mostrar que é independente e não cede na matriz ideológica. Costa avisa parceiros que “não se pode fazer tudo num dia”.

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António Costa nas jornadas parlamentares socialistas: “É evidente que não podemos fazer tudo num dia” PEDRO SARMENTO COSTA/LUSA

Era Novembro, na Guarda, o Governo ainda passava pelo aperto da Caixa Geral de Depósitos e o clima económico não dava para alegrias incontidas. Seis meses depois, a comemorar um ano e meio de mandato noutras jornadas parlamentares, Costa foi a Bragança com dados na mão, mas não falou de optimismos futuros, falou em “sucessos” presentes e quis recentrar o discurso dos socialistas. Nas palavras, carregou no travão das expectativas e da euforia com os bons resultados, a fechar um fim-de-semana em que foram enviados vários recados para a esquerda, numa tentativa de mostrarem que a relação é estável mas o PS precisa do seu espaço para não se anular. Objectivo: recentrar o discurso, reunir em torno da matriz ideológica e não ceder às tentações à esquerda, numa altura em que o pé do Governo poderia começar a resvalar para mais despesa.

Recados, uns subtis outros mais evidentes, apareceram com menos frequência do que as críticas à direita, mas foram um prato servido numa altura em que há reuniões de preparação para o Orçamento do Estado para o próximo ano. António Costa repetiu a ideia por duas vezes. “É evidente que não podemos fazer tudo num dia. As necessidades são múltiplas e em muitos sectores.” Ou, numa versão de balanço de 18 meses de mandato: “Não é possível num ano e meio reverter tudo o que foi feito nos quatro anos anteriores.”

Costa ajudou àquilo que Carlos César e Ferro Rodrigues já tinham dado mostras que seria a linha discursiva dos socialistas: é tempo de cerrar fileiras em torno do programa do PS e não ceder a tentações, sobretudo às da esquerda, de aproveitar os resultados económicos para o Governo ir mais depressa.

Os sucessos têm de servir para o caminho, mas passo a passo, porque é “absolutamente crítico”, avisou o primeiro-ministro, “reforçar a confiança” para que tenha “sucesso na governação”. Esse, aliás, foi o maior aviso aos deputados do PS, a necessidade de não só “provar que era possível ter outro caminho” como o de o Governo ser “capaz de provar que este resultado é possível ser melhorado e beneficiar mais portugueses e todas as regiões do país”.

"Identidade" rosa

Não chega manter, mas acelerar não pode ser feito à custa de passos maiores que as pernas, nem com desvios à “matriz ideológica” do partido, como fez questão de alertar Ferro Rodrigues. O presidente da Assembleia da República fez o discurso mais ideológico destas jornadas, numa tentativa de recentrar as posições do partido. Ferro puxou pelos “sucessos”, mas fez a análise do porquê de eles existirem e a explicação passa por o PS de António Costa não ter seguido o que outros partidos socialistas fizeram na Europa: “Nem viabilizou um programa que lhe era estranho”, como alguns que foram muletas de partidos de direita, “nem aderiu a nenhum frentismo programático geral”, associando-se a movimentos mais radicais de esquerda. Ferro não disse a palavra “esquerda” neste paralelismo, mas referiu-se a um “frentismo”. Ora, esse equilíbrio que “parecia a fragilidade do acordo de governo à esquerda revelou ser a sua maior virtude”, defendeu, para depois dar ênfase àquilo que para o número dois do Estado é uma originalidade deste Governo com o apoio do PCP, BE e PEV. “Cada um tem as suas identidades ideológicas e programáticas. Simplesmente, elas não são chamadas para aquilo que é o centro da governação orçamental do país. Isto tem permitido ao PS garantir estabilidade e resultados sem perder a identidade.”

O reforço dessa “identidade” do PS seria um dos objectivos destas jornadas parlamentares, as últimas da sessão legislativa e as últimas antes das eleições autárquicas que poderão criar pequenas fracturas entre os partidos que apoiam o Governo. Não houve quem falasse das autárquicas, apesar do toca a reunir em torno do partido da rosa.

Carlos César até chegou a ensaiar uma explicação para a boa imagem (e boas sondagens) do Governo, dizendo que se o PS está a crescer é porque se libertou e governa para além das linhas do partido. Contudo, para a história ficará um remoque que lançou aos parceiros de esquerda, nessa tentativa de mostrar que o PS tem uma independência que não se coaduna com todas as vontades de quem o apoia no executivo.

Foi por isso que marcou fronteiras para PCP e BE quando defendeu os acordos com as instituições particulares de solidariedade social recusando um “certo complexo de esquerda”. Para César, o Estado não tem de prestar certos serviços sozinho. Costa recuperaria a mesma ideia, a palavra “complexo” e a defesa dos acordos com o terceiro sector. Este é, aliás, um dos temas que afasta o PS dos parceiros de esquerda, tal como os afasta o tema da descentralização, que foi um dos pratos fortes do discurso de Costa. O primeiro-ministro chamou-lhe “o grande objectivo da legislatura” e pressionou para que se faça até ao Verão.

Entre o ama, ama, ama e o afasta, afasta, afasta da esquerda mais à esquerda, Costa e o PS, agora talvez mais do que nunca, estarão numa tentativa de dizer que são a esquerda do centro e o centro da esquerda.

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