PPP, Partido Populista Português

Foi pela via dos debates futebolísticos que Ventura se apresentou a eleições autárquicas onde, precisamente, o populismo ameaça tornar-se uma das forças dominantes.

Já aqui escrevi, por diversas vezes, que a imunidade da vida política portuguesa ao populismo pode ser mais frágil ou ilusória do que habitualmente se pensa. E ainda na crónica anterior, comentando a esquizofrenia partidária durante o debate sobre o estado da nação, questionava se isso não iria tornar-se inevitável.

Um novo sinal dessa eventualidade ocorreu na passada segunda-feira, numa entrevista dada ao jornal i pelo candidato da direita à câmara de Loures, André Ventura, dirigente nacional do PSD e professor universitário de Direito mas que é sobretudo conhecido como comentador de futebol na televisão. Nessa entrevista, Ventura identificava-se com pontos muito característicos do discurso populista: o preconceito racial contra as minorias étnicas (neste caso, uma tradicionalmente visada em Portugal, os ciganos) ou a defesa da prisão perpétua para os delinquentes graves.

Apesar das reacções que se seguiram, com a retirada do apoio do CDS à sua candidatura, Ventura não só manteve a confiança de Passos Coelho como recusou retractar-se das suas declarações, mesmo quando elas traíam um ostensivo sentimento racista. Nomeadamente esta, de antologia: “A etnia cigana, quer em Loures quer no resto do país, tem de interiorizar o manual do Estado de direito. E o Estado de direito não pode ter medo deles, independentemente das consequências”.

Soube-se entretanto que Ventura se tinha já destacado pela sua islamofobia primária, ao pressupor que “qualquer um, de raízes muçulmanas ou convertido, se torna uma potencial ameaça”. Ilação que na boca de um professor de Direito (e licenciado supostamente com uma nota elevada, 18) não deixa de causar surpresa pela sua boçalidade. Ainda ontem, aliás, em entrevista ao Sol, Ventura propunha a militarização da polícia municipal de Loures (um “exército de protecção”) devido à ineficácia da PSP. Mas tudo isso talvez se explique se tivermos em conta o perfil mais destacado do candidato: o de comentador futebolístico.

Ora, os debates sobre futebol – para desgosto de quem, como eu, é fã desde a adolescência do chamado desporto-rei – são a principal droga de audiências da televisão e o espelho fiel do lado mais grotesco do país. Pior do que isso: tornaram-se um palco de guerra civil onde parece valer tudo menos tirar olhos – até ver… – e onde se defrontam antigos jornalistas, políticos, juristas ou outros profissionais “conceituados”, representando diferentes seitas clubísticas. Chegou-se a um ponto tal que há razões para recear que a próxima Liga decorra num ambiente bélico sem precedentes.

Dir-se-ia, assim, que os debates futebolísticos constituem uma espécie de caldo de cultura do populismo. Pelo menos, foi por essa via que Ventura – protótipo do candidato por excelência de um Partido Populista Português ainda por inventar, o PPP – se apresentou a eleições autárquicas onde, precisamente, o populismo ameaça tornar-se uma das forças dominantes (sem esquecer o regresso de dinossauros como Valentim Loureiro ou Isaltino Morais).

Só que esta semana aconteceu também a revelação/confirmação de certos bastidores da política em Portugal que alimentam essa erupção populista. Uma reportagem, com vídeos, do jornal online Observador, mostrava anteontem como funciona o caciquismo partidário, com “carrinhas a descarregar eleitores à porta do hotel” onde se realizavam eleições das distritais do PSD em Lisboa. “Militantes que nunca pagaram quotas e votaram sem saber em quem” … Mas o partido que finge agora acordar para isso e se propõe corrigir a vigarice é o mesmo que subscreve a candidatura de Ventura. O tal que dizia ontem ao Sol: “Se ser populista é responder aos anseios das pessoas e fazer política para as pessoas, então não me importo que me chamem populista”. Aí está o PPP…

Sugerir correcção
Ler 7 comentários