Portas: “Directas, primárias e referendos são o reino das minorias activistas”

Numa conferência sobre globalização a convite de Durão Barroso, o antigo vice-primeiro-ministro relativizou os riscos da administração de Trump e avisou que a Europa é enfrenta grandes desafios.

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Paulo Portas: A Europa tem de pensar na organização do trabalho Daniel Rocha

Paulo Portas considera que a democracia directa é uma das causas da corrosão da democracia na Europa: “Quanto mais vejo referendos, primárias e directas e as suas consequências, mais admiro o método cardinalício: um colégio de 120 pessoas, sem carisma mas com função, todos nomeados e nenhum eleito, mas com a ajuda do Espírito Santo, foram capazes de eleger papas como Karol Wojtyla [João Paulo II] e Francisco quando foi necessário mudar o mundo”.

Foi a última provocação do antigo vice-primeiro-ministro e ex-líder do CDS na conferência que fez esta segunda-feira, no almoço-palestra promovido pelo Centro de Estudos Europeus do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, organismo dirigido por Durão Barroso, o homem que actualmente é o rosto do Grupo Bilderberg em Portugal. Os elogios que trocaram foram mais do que de ocasião: Durão enalteceu o “conhecimento profundo de política internacional de Portas” e este considerou-o “um patriota, que enquanto presidente da Comissão Europeia ajudou sempre Portugal nos momentos críticos”.

Ao PÚBLICO, Paulo Portas acrescentou depois que a democracia directa é “o reino das minorias activistas” e sublinhou que a comparação com o colégio cardinalício é uma “graça”, uma metáfora para mostrar como decisões históricas nasceram de um pequeno grupo de pessoas. E defendeu a democracia representativa, onde as decisões são tomadas por instituições e não por “militantes”. Não é uma convicção completamente nova do antigo líder centrista, já que o CDS foi o primeiro partido a consagrar (em 2005) eleições directas para a liderança e o primeiro a acabar com elas (em 2011).

Perante uma audiência de cerca de 70 pessoas – embaixadores de países como a China, Israel, México, Emirados Árabes Unidos, Turquia, Bélgica, Itália e representantes dos EUA, empresários, antigos e actuais quadros do CDS e do PSD, altos quadros militares e ex-administradores da banca (CGD, BES, BPP) –, o actual colaborador da Mota-Engil e da PEMEX falou durante cerca de uma hora sobre “Globalização e desglobalização – Os desafios da Europa face à nova liderança norte-americana”.

Portas começou por dizer que se encontra “num lugar indefinido algures entre o fanatismo pró-Trump da Fox News e anti-Trump da CNN” e preferiu uma visão analítica que oscilou entre as características “que não são novas” do actual presidente americano e os avisos sobre os riscos que as suas políticas envolvem. Identificou três conceitos essenciais – o nativismo, o proteccionismo e o isolacionismo – que caracterizam Donald Trump mas logo avisou que todos têm tradição nos EUA.

Recordou que Barack Obama foi o Presidente americano que “mais deportou mexicanos, três milhões no total” e que foi Bill Clinton quem “inventou o muro com o México”. Lembrou que os EUA “sempre foram mais liberais a vender que a comprar” e evocou o Buy American Act do pós-guerra em que “foram criadas mais de 20 mil taxas alfandegárias sobre 20 mil produtos diferentes”. E quanto ao isolacionismo, voltou a apontar a Obama, sublinhando que foi ele quem “retirou os EUA dos principais teatros operacionais do mundo: Síria, Líbia, Egipto, Iraque”.

“Trump acentua, mas continua, de forma estridente, a tradição de pendor isolacionista da anterior administração”, considerou Portas. A sua grande novidade, considerou, é ser “o primeiro presidente que parece ter apenas estas três prioridades na era da globalização (pós Deng Xiaoping)”. Na sua opinião, no entanto, “Trump tenderá a levar a tensão até ao limite, mas nãoalém do limite”.

Para o demonstrar, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou que o chefe da administração americana “mudará frequentemente de opinião”, o que já fez nalguns casos: “Fez a revisão do acordo NAFTA [bloco económico da América do Norte] mas não o denunciou, como não denunciou o acordo com o Irão, optando por vigiá-lo, abandonou a ideia de transferir a embaixada de Telavive para Jerusalém”.

“Um choque para a Europa”

O ponto forte da administração dos EUA, segundo Paulo Portas, é a economia. “Há confiança e optimismo nas bolsas americanas e um bom ambiente de negócios”, afirmou, salientando que o imposto empresarial de 15% que está a ser criado “é muito competitivo”. Aqui, fez um único paralelismo com o Reino Unido, considerando que o que este país vai fazer depois do Brexit é estabelecer uma competitividade fiscal da mesma ordem. “Vai ser um choque para a Europa”, disse.

Mas o proteccionismo poderá virar-se contra os EUA, defendeu Portas: “Em globalização, quaisquer medidas proteccionistas muito vincadas geram retaliação” e “gerarão impacto nas empresas americanas”. E daqui a quatro anos, ninguém estará a pedir resultados ao livre comércio, mas ao proteccionismo”, avisou.

Mas os problemas do velho continente, defendeu, não começaram nem com Trump nem com o Brexit. “A Europa tem um grave problema de competitividade que começou com a digitalização da economia”, disse: “[É um] continente com graves problemas demográficos, sistemas políticos muito vulneráveis, que sai para a rua a toda a hora a defender direitos adquiridos e agora ainda é contra o livre comércio”.

Para Portas, os desafios da Europa não se resolvem com a crítica à globalização como fazem os populistas, mas através do aumento da investigação e desenvolvimento e de uma reflexão profunda sobre a organização do trabalho e a sua compatibilização com a tecnologia. “A Europa não pode deixar de ser o primeiro bloco económico do mundo, mas para isso tem de estar unida”, defendeu. 

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