Porque não fala Passos?

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O fotógrafo Enric Vives-Rubio não consegue com rigor dizer se, quando carregou no botão da sua máquina para tirar esta fotografia, o primeiro-ministro estava a ouvir uma pergunta de um jornalista ou se estava a meio de uma resposta. Do que ele se lembra é que “foi depois das intervenções iniciais, já na parte das perguntas sobre a Tecnoforma”.
O momento do clique é fundamental para compreender esta imagem. Não diz tudo — porque as fotografias também mentem —, mas permite afirmar que esta fotografia vai ficar na história.
Não por causa do que o primeiro-ministro disse nesta conferência de imprensa, mas por causa do que não disse. Ao seu lado estava o alemão Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, que, como socialista, não terá ficado desgostado com o que ouviu. Todos os políticos querem que os políticos sejam melhores, à sua esquerda ou à sua direita. Mas se um é apanhado numa situação perigosa, então que seja de uma família política rival à sua. Nisso, os políticos são iguais a nós. As perguntas e respostas foram directas e simples. A primeira — que o PÚBLICO faz há dois anos a Passos Coelho — era esta: o primeiro-ministro recebeu algum dinheiro da Tecnoforma/CPPC durante os anos em que declarou estar em regime de exclusividade como deputado?
Nesta imagem, o primeiro-ministro está de mãos e olhos fechados. Pode estar a ouvir uma pergunta ou a pensar na frase seguinte, não sabemos. Como desconhecemos ainda se Passos Coelho pertence à geração de políticos que aprenderam com Bill Clinton que é melhor não dizer nada a dizer coisas “tecnicamente verdadeiras”, frases que começam por passar pelos pingos da chuva mas que acabam por se esboroar perante provas indesmentíveis.
O que sabemos é que é incompreensível o seu silêncio e que, nos cinco ou seis minutos de respostas sobre as suas declarações ao fisco e ao Parlamento, não disse uma única coisa relevante, transparente ou esclarecedora. As apostas de que vai cair por causa deste caso e deste silêncio circulam em abundância. Mas tudo joga ainda a seu favor. Os dados têm 17 anos, será difícil desenterrá-los. Mesmo que Passos autorize o levantamento do sigilo bancário — coisa que não fez — não é certo que existam. Eventuais crimes já prescreveram. Dois dos inquéritos já foram arquivados. E os seus colegas da Tecnoforma/CPPC não mostram vontade de dizer mais do que aquilo que já disseram. A nódoa, no entanto, caiu no fato. Tal como ninguém acredita que Marinho e Pinto desconhecia o valor do salário de eurodeputado, ninguém acredita que Passos não se lembre se recebeu uma avença fixa mensal durante três anos que era quase o dobro do seu salário como deputado. 

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Passos Coelho durante a conferência de imprensa de terça- feira Enric Vives-Rubio
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