“Politiquices” que não convêm

Passos ressuscitou igual a si mesmo: frontal e tão intransigente quanto convicto da sua razão.

António Costa decidiu baixar a TSU dos patrões como compensação para o aumento do salário mínimo, uma vez que este era exigido pelos parceiros que no Parlamento lhe vão dando a maioria a conta-gotas. Sabia que tanto o PCP como o Bloco desaprovavam este expediente compensatório pelo motivo de que, trate-se do que se tratar, os defensores do povo trabalhador estão por regra e princípio contra qualquer medida favorável ao patronato. Embora sabedor da oposição dos seus sócios parlamentares, Costa comprometeu-se com a descida da taxa na concertação social com os patrões a  fim de cumprir a exigência do aumento salarial a que está sujeito e, ao mesmo tempo, já agora,  arrancar mais um troféu para o seu consulado – transformando a fraqueza em força aparente.

Não deu cavaco a ninguém, mas deu de barato que o PSD (e talvez o CDS) não se atreveria a alinhar com os seus sócios radicais nem a correr o risco de alienar um segmento da sua base social, como são o vasto mundo das PME’s e das IPSS’s. Passos Coelho explicou que a medida era má, pois prejudicava a produtividade em vez de a fomentar, afectava a sustentabilidade financeira da Segurança Social e, globalmente, constituía mais uma pressão sobre a debilitadíssima economia portuguesa. A medida, além disso, inseria-se como uma luva na orientação governativa geral, contra a qual o PSD frontalmente se colocara desde o  primeiro dia  da geringonça. Declarou que o seu partido votaria contra o governo quando o caso fosse sujeito ao Parlamento, pois não estava disposto a servir de muleta à geringonça nos casos em que lhe falhava o apoio de uma “maioria” presa pelos arames de meras “declarações conjuntas” (não só: também e sobretudo pelas benesses financeiras e políticas cobradas pelos signatários).

Debruçado sobre o seu parapeito televisivo, Marques Mendes, por quem podemos avaliar a temperatura da oposição a Passos dentro do PSD, tocou os alarmes  e ligou as sirenes: Passos cometera o maior erro da sua vida, rendera-se à politiquice, despira as vestes de homem de Estado que tanto respeito lhe tinham valido.  Subitamente transformado num político igual aos outros, afinal queria o poder (!) e embarcara em tácticas de oposição irresponsável. Em suma: criticar a geringonça com diplomacia e elegância, está bem; criar ou contribuir para uma situação em que ela possa desconjuntar-se, isso nem pensar, é “politiquice” ! Uma oposição respeitável, conduzida com “sentido de Estado”, não deve lutar pelo derrube do adversário e por conquistar o poder, deve organizar chás e servir de adorno parlamentar. (Tanto Rui Ramos no Observador como Paulo Rangel no Público esgotam hoje este tópico.)

A verdade é que Pedro Passos Coelho surpreendeu quem o não conheça. Pelos vistos, muita gente não se deteve a pensar que a sua justamente gabada persistência obriga a muita paciência, e esta, em política, inclui a capacidade de se fingir distraído,  manso ou até morto pelo tempo que for necessário. O único problema da súbita viragem “politiqueira” de Passos está em que contraria os planos e o timing dos que, dentro do PSD, aspiram a substituí-lo ou a provocar a sua substituição. Ou seja,  contraria a enormíssima  politiquice deles.

Bem sabemos que Rui Rio, por exemplo, está cansado de andar para trás e diante na gare de São Bento à espera do comboio que o traga para Lisboa. E também sabemos que António Costa está mortinho por se livrar da canga dos seus sócios parlamentares (o que não custa a compreender). Mas para isso necessita de ter no PSD um comparsa que lhe facilite a vida, quer dizer, um presidente social-democrata que se lhe associe através de cumplicidade e portanto de complacência ou mesmo de apoio parlamentar nos momentos críticos ou perigosos; um líder com “sentido de Estado”, em suma. Passos constitui um abrolho no meio disto tudo. Ganhou as eleições em 2015, parecendo que se apagava na exacta medida em que este facto começava a ser (deliberadamente) esquecido. Com esta valente “politiquice”, foi como se inopinadamente tivesse ressuscitado. Uma maçada, um transtorno ! Ainda por cima ressuscitou igual a si mesmo: frontal e tão intransigente quanto convicto da sua razão. Isto logo numa altura em que o formigueiro sôfrego que se debate e acotovela no partido já sonhava com uma “entente cordiale” entre PS e PSD, provavelmente bem-vinda pelo P.R., que  incluísse formiguinhas e formigões na clientela do Estado, um privilégio de que presentemente não desfrutam ou não desfrutam sobejamente. Mais tarde ou mais cedo haverá eleições, e nessa altura se veria como arranjar uma politiquice mais consistente.

Este cenário, que nunca teve grande probabilidade de se concretizar, está agora ainda mais longínquo. Assim tenha Passos Coelho mais oportunidades de exercitar o seu talento “politiqueiro”.

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