PMA à espera de Marcelo

É grande a expectativa sobre o que irá fazer o Presidente com a lei de Procriação Medicamente Assistida.

Ao fim de mais de dez anos de tentativas, a Assembleia da República aprovou a 13 de Maio alterações à lei que regula em Portugal a Procriação Medicamente Assistida (PMA). Assim, passa a ficar consagrada na lei a liberdade das mulheres poderem decidir e escolher engravidarem por meio de inseminação artificial sem terem de estar casadas ou unidas de facto, ou seja, poderem recorrer a um dador de esperma e decidirem ser mães estando sós ou vivendo uma relação afectivo-sexual com outra mulher.

Esta revolução nas concepções legais portuguesas, logo nas concepções sociais, foi acompanhada por uma medida mais recuada e menos liberal em relação à gestação de substituição. Neste domínio, foi apenas alargada a possibilidade de as mulheres que não têm útero ou que não podem ter filhos, recorrerem a uma mulher gestante, abrindo uma situação que era mais limitada e apenas entre familiares.

De qualquer forma, a solução encontrada é recuada, enquandra-se em critérios destinados a resolver problemas de saúde e não significa uma assunção de liberdade de escolha como a que foi permitida às mulheres em relação à inseminação artificial. Aliás, tal como a lei anterior proibia as lésbicas de se inseminarem, agora são os gays que continuam a ser excluídos do recurso a uma maternidade de gestação para poderem ter um filho.

Mesmo assim, saúda-se a tentativa do Bloco de Esquerda para alargar a fronteira no domínio da gestação de substituição. Optando por aderir à política do passo a passo, que tem caracterizado a actuação por exemplo do PS na conquista de direitos individuais e de género, o BE conseguiu alargar o âmbito da lei. Assim como se saudam os verdadeiros liberais do PSD que não tiveram nem receio nem pudor de assumir a votação do reconhecimento do direito à inseminação a todas as mulheres, só por si.

Resta aguardar para que no futuro surjam propostas para um reconhecimento total da gestação de substituição, mas resta também por agora esperar para ver o que vai o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fazer com o diploma que a Assembleia lhe vai enviar. Esta questão coloca-se porque Marcelo já fez saber que considera que o assunto da gestação de substituição tem que ser discutido.

Ora esta declaração feita após o Parlamento debater e aprovar uma pequena abertura na lei sobre o assunto, pode indiciar que o Presidente se prepara para vetar a lei da PMA e eventualmente pedir ao Parlamento que retire os artigos sobre gestação de substituição, alegando que estes devem ser debatidos pela sociedade.

Deve-se ter em conta quem é Marcelo Rebelo de Sousa e o que tem sido o seu posicionamento perante questões que são centrais na relação da concepção do que deve ser a liberdade individual face à concepção do que é a vida humana.

É claro que estas medidas legislativas que reconhecem direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgéneros e intersexuais e que reconhecem os direitos das mulheres e dos homens decidirem sobre a sua capacidade e vontade de conceber - pelo facto de concretizarem uma realidade que vai contra a visão binária do mundo dividido em homens e mulheres como pólos de uma relação que permite a procriação- afrontam os que têm uma concepção mais tradicional da vida.

Uma visão que reconhece apenas uma concepção de família tradicional, a família nuclear burguesa, procriativa, patriarcal, heterossexual e hetronormativa e que, por isso, se opõe a alterações que revolucionam a sociedade e a concepção sobre o ser humano. Tendo consequências não só ao nível dos papéis sociais, mas até com implicações ontológicas, isto é, sobre o que é uma pessoa.

Ora é do domínio público que Marcelo Rebelo de Sousa em alguns dos momentos em que se discutem direitos individuais esteve do lado da barricada em que se defenderam posições conservadoras e anti reconhecimento de direitos. O exemplo paradigmático é a despenalização do aborto até às dez semanas de gestação.

Marcelo esteve contra e manifestou-se à porta da Assembleia, quando da primeira lei que reconheceu o direito a abortar em caso de violação, mal formação do feto ou risco de vida da mãe – um processo legislativo que vingou em 1984, depois de Maria Belo o levar ao Congresso do PS em 1983, como resposta aos projectos que a UDP e o PCP apresentaram e viram chumbar em 1982.

Também é público que foi Marcelo quem negociou com António Guterres o referendo sobre a lei da despenalização aprovada em 1997, empurrando assim a liberalização para 2007, quando o “sim” ganhou o segundo referendo sobre o assunto. É certo que isso se passou há 20 anos e que o comentador Marcelo não se posicionou contra a PMA. Na campanha eleitoral, porém, foi claro a dizer-se crítico da gestação de substituição. Daí que seja grande a expectativa sobre o que irá fazer o Presidente com esta lei.

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