Petição pública na agenda pela morte com dignidade

Marcelo Rebelo de Sousa só se pronuncia após a sua tomada de posse. Subscritores do Manifesto apostam numa decisão na legislatura, apesar das vicissitudes políticas poderem levar a eleições antecipadas.

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No hemiciclo, o BE está a favor, o PSD concede liberdade de voto, o CDS manifestou-se contra e os socialistas situam-se entre o apoio e a prudência

A petição pública está na agenda dos promotores do manifesto pela Morte Assistida, soube o PÚBLICO. Esta iniciativa, cujo timing ainda não está definido, representa o passo seguinte de um caminho que os subscritores do documento publicado no sábado da semana passada, consideram ir desembocar até ao fim da legislatura na descriminalização da morte assistida.

A aposta é numa petição pública subscrita por dezenas de milhares de cidadãos, não apenas pelos quatro mil impostos por lei, que os promotores encaram como teste à expressão social de adesão.

Depois da divulgação do manifesto, o tema tem sido abordado por actores de diversos sectores - médicos, políticos, intelectuais e publicistas. Por isso, o modus operandi não contempla a curto prazo uma iniciativa legislativa. “Uma iniciativa legislativa é para ganhar, terá de haver confirmação de que terá força no Parlamento”, explica, ao PÚBLICO, um promotor que solicita o anonimato.

Do mesmo modo, existe reserva quanto aos timings. Na actual composição das bancadas da Assembleia da República, os defensores da morte assistida admitem existir uma maioria de apoio. O tempo entre a maturação do seu objectivo na sociedade e as atitudes, ou seja, a execução, é o da legislatura.

Contudo, os mais de 100 cidadãos do Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida, entre os quais parlamentares do PS, BE e PSD, não desconhecem que as vicissitudes políticas podem levar a eleições antecipadas e a interromper o normal período de quatro anos de legislatura.

“Falta encontrar a oportunidade e as melhores condições, o que depende da força social [da petição pública], para que esta seja uma proposta ganhadora”, admite um responsável do movimento. De lado está o referendo – “os direitos fundamentais não se referendam e o processo legislativo parlamentar é mais capaz do que o sim ou o não, ”, sublinha. Excluída está, também, a discussão imediata após a tramitação parlamentar do Orçamento de Estado.

Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente eleito informou o PÚBLICO que só se pronuncia sobre a questão depois da sua tomada de posse a 9 de Março, quando há uma semana apareceram versões contraditórias sobre a sua posição.

No hemiciclo, o BE está a favor, o PSD concede liberdade de voto, o CDS manifestou-se contra e os socialistas situam-se entre o apoio e a prudência. “Se e quando a discussão for suscitada no plenário, a direcção do grupo parlamentar do Partido Socialista dará liberdade de voto, considerando que a matéria não consta do programa do PS, nem do Governo. Tal não exclui qualquer iniciativa legislativa dos deputados do PS a título individual”, respondeu, ao PÚBLICO, Carlos César, líder da bancada e presidente do partido. Já o PCP optou por um “silêncio ruidoso”, sinónimo do incómodo que a questão suscita entre os comunistas.

“Exceptuando o caso do aborto, que foi alvo de referendo, a democracia portuguesa tem resolvido estes problemas, as causas pós materialistas, no Parlamento com toda a legitimidade democrática”, observa António Costa Pinto, investigador e professor do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa. Embora reconheça que “o carácter imediatista da conjuntura política tende a subestimar as causas pós materialistas, Costa Pinto destaca que o futuro da discussão depende da forma de activação política: “sem esta, isto resolve-se em comissão parlamentar.”

“Sem intermediação partidária, a questão não terá impacto, a estratégia dos partidos foi esquivar-se, reconhecem a necessidade de debate mas não a assumiram”, refere Carlos Jalali, politólogo e professor da Universidade de Aveiro. Ambos os especialistas não antevêem problemas na manutenção dos apoios parlamentares ao Governo. O mesmo é sublinhado pelos subscritores do manifesto que recordam que tudo o que não consta das posições conjuntas que levaram à maioria parlamentar de esquerda pode ser objecto de discordância.

A profundidade da discussão é determinante para o desenho da modalidade legislativa que vier a ser proposta aos deputados. O manifesto apenas suscita uma questão de âmbito geral – o direito a morrer com dignidade – sem especificar práticas. E existem, basicamente duas em situações terminais: quando o doente pede um medicamento letal que auto-administra, que se pode chamar de suicídio assistido; ou quando o paciente pede ao médico que lhe ponha termo à vida, comumente designado de morte assistida ou eutanásia (ver página 7). “Não há uma proposta fechada”, conclui um subscritor do manifesto.

“Não se cristianiza uma sociedade pela lei”

Deputado do Bloco de Esquerda e vice-presidente da Assembleia da República, José Manuel Pureza é subscritor do manifesto “Direito a Morrer com Dignidade”. Católico, foi membro da JUC [Juventude Universitária Católica] e da Juventude Estudantil Católica (JEC), é claro na sua atitude. “Não se cristianiza uma sociedade pela lei”, afirma ao PÚBLICO.

“Não tenho nenhum problema moral em perceber que vivemos numa sociedade plural, e mesmo que houvesse uma forma moral que entendesse mais consentânea com o Evangelho, não tenho o direito de a impor através da lei e muito menos pela criminalização da mundividência do outro”, sustenta. “Dispenso a lei penal como instrumento de evangelização, não se cristianiza uma sociedade pela lei, mas pelo testemunho de solidariedade, do amor e da fraternidade”, sublinha.

“Neste caso”- prossegue José Manuel Pureza – “há o dado adicional que é o sofrimento, a crueldade de dizer “não” a um doente terminal que quer que lhe ponham fim ao sofrimento, o meu mandamento como cristão, o amor ao próximo que sofre, também passa por isso.” O deputado recorda, a propósito, o que Jesus disse, no Evangelho de São João: “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância”. Ou seja, em plenitude.

“Tenho o maior respeito por quem leva o seu sofrimento até ao fim, mas não posso impor esse padrão. O fim de vida de João Paulo II foi admirável – sou humano até quando estou a degradar-me -, mas não tenho o direito de impor essa moralidade”, destaca. “Este é o princípio da autodeterminação da pessoa humana”, conclui.

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