Passos, o "realista": do "governo esgotado" ao "espantalho da austeridade"

Neste discurso, os socialistas deixaram de o ser por falta de dinheiro e o PSD mostra o que acontece "com realismo". Passos Coelho quer pensar além da espuma dos dias, mas acena com os fantasmas do passado.

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Passos Coelho encerrou este domingo a Universidade de Verão do PSD FIlipe Farinha/Arquivo

António Costa é um "optimista crónico", chamou-lhe Marcelo Rebelo de Sousa. O líder do PSD distancia-se no feitio do primeiro-ministro e auto-intitula-se de "realista". As diferenças, segundo quer fazer passar, não são apenas na postura, são na ideologia aplicada às políticas públicas, que anda às voltas entre PS e PSD. Na rentrée dos sociais-democratas, Passos Coelho retoma o lema de Sá Carneiro – de que o "fim principal do poder político é o serviço da pessoa" –, para se colocar no lado oposto ao socialismo deste Governo. 

A linha do discurso de Passos Coelho na Universidade de Verão resume-se a mais ou menos isto: esta solução de Governo não vai além "do dia-a-dia", está "esgotada", porque só pensa na "sobrevivência político-partidária" do presente e não tem ímpeto reformista para o futuro. Nisso, quem pensa é o PSD, diz o ex-primeiro-ministro, que não tem medo do "espantalho da austeridade" – porque, afinal, foi o PS que a trouxe para Portugal nos tempos idos de 2010 e o PSD "teve de a aplicar também".

Feita a estrutura, Passos insistiu na ideia de que, sob a sua batuta, o PSD se mantém no lado dos críticos – não está cá para "cumprir calendário". E é o mesmo PSD das origens de Sá Carneiro, aquele que quer "reafirmar que o primado da política é sempre a pessoa e a sua dignidade", e por isso o PSD tem uma visão de futuro além do "cumprir calendário", que passa por políticas na Educação e na Saúde. Inversão de papéis?

É o próprio Passos Coelho quem o salienta, sempre com um pé na crítica ao Governo. Saíram os dados do INE para o crescimento (que nem o Governo fez questão de festejar), que mostram uma perspectiva de crescimento baixo e os da execução orçamental, pelo qual o próprio primeiro-ministro puxou. Ora, o líder do PSD aproveita para lembrar que antes eram os socialistas que o criticavam por não investir e com isso não promover o crescimento e que agora estão mais preocupados com o défice. "Estão a devolver rendimentos a um ritmo acelerado e afinal o consumo não está a crescer ao ritmo esperado e o investimento está a cair a pique. Lembram-se quando os socialistas nos acusavam de não investirmos? Gastam ainda menos. Tem sido a principal variante de ajustamento orçamental. Imaginem os socialistas preocupados com ajustamento orçamental! Não gastam porque não têm", ironizou. Inversão de papéis?

A inversão deu-se há meses com a passagem de um para o Governo e de outro para a oposição. E Passos Coelho, o líder da oposição, fala agora em desigualdades sociais, centra boa parte do discurso nelas, compara Portugal ao resto do mundo para dizer que "vivemos num país que apesar de tudo se insere de entre sociedades e economias que são consideradas avançadas", mas que apesar disso "não nos podemos conformar". E agora é o tempo, diz Passos: "Não fiquemos para trás enquanto país. Estamos a perder as oportunidades". 

Era aqui, neste ponto, que saltavam as críticas mais directas ao Governo de António Costa não falou em resgate, mas cada letra estava ali implícita. "Estamos a viver um tempo em que as oportunidades de construir uma sociedade mais prospera está de certa maneira em jogo". "Quando no passado se procurou melhorar a situação presente sem atender as consequências que isso podia implicar para futuro, o futuro revelou-se muito mais difícil – com mais sacrifícios e a retirar a cada pessoa um horizonte de maior felicidade", disse. 

Não falou em "resgate", mas falou em "consequências" e em "sacrifícios", essas duas palavras do léxico associadas à troika, à austeridade e aos anos da sua governação. Foi por isso que lembrou que o seu mandato foi talvez aquele com "circunstâncias mais difíceis" desde 1974 e que por ter essa experiência enquanto primeiro-ministro não a quer repetir. "Não queremos ser cúmplices de uma situação em que o país tenha de passar por novos sacrifícios apenas para satisfazer a ideia de sobrevivência político-partidária seja de quem for". 

E continuou. "Esta solução está condenada ao fiasco e ao fracasso. Porque não tem capacidade reformadora. Só há apoio para desfazer as reformas que fizemos e gerir o dia-a-dia. Até podem estar cá quatro anos, mas não conseguirão gerar um grama de expectativa para o futuro", disse.

Esta ideia é alicerçada no que aconteceu no passado. O homem que fala do futuro não vê um programa no governo minoritário de António Costa para os dias além do presente imediato. "Já ocorreu no passado, que aqueles que nunca quiseram na sua auto-suficiência emendar os erros, e queiram depois responsabilizar aqueles que apontaram os erros. Não venham no futuro aqueles que hoje tomam as decisões  responsabilizar pelos resultados os que chamaram a atenção para os erros que estavam a ser cometidos".

Passos Coelho responde assim também aos críticos que o têm acusado de ser o portador das más notícias. "Está este Governo a empreender essas reformas? Não creio. Creio antes pelo contrário que esta solução de governo está esgotada. É uma solução que se centra no curto prazo, imobilismo, em que a dificuldade de encontrar entendimentos de entre a maioria que devem ser feitos, ocasiona um status quo que não acrescenta futuro, e que nos empurra para o passado. É muito importante que o Governo arrepie caminho. Não vale a pena vir com o espantalho da austeridade. (...) Deixemos o espantalho da austeridade que foi trazida pelos socialistas e que nós tivemos de cumprir também".

O líder do PSD, neste discurso da Universidade de Verão da JSD, quis reforçar a ideia de que não vai sair do papel de crítico a apontar o dedo ao que acha que está mal. Prefere dizer que vai manter o PSD como "um partido realista": "Não nos interessa demagogia barata". Foi seguindo essa linha de quem não faz acusações pessoais. "Não fazemos ataques pessoais, não dizemos que são mal intencionados, que querem mal seja para quem for. É verdade que às vezes seria justo que eles provassem do próprio veneno. Fizeram acusações de natureza pessoal. (...) Não entramos nessa retórica, mas de boas intenções está o inferno cheio. Prefiro algum bem intencionado a alguém mal-intencionado, mas a questão não é essa, não basta ser bem-intencionado. É preciso pôr em prática alguma coisa que esteja de acordo com esse princípios que defendemos".

Passos Coelho traçou assim a estratégia que vai voltar a ter na oposição no ano parlamentar que agora começa. Já tinha dito que não contassem com ele para aprovar o Orçamento do Estado para 2017, agora mostra que não muda de linha dicursiva, apesar de no PSD lhe pedirem alguma mudança.

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