Para acabar de vez com as presidenciais

A eleição de Marcelo Rebelo de Sousa confere-lhe uma legitimidade democrática pessoal inegável e uma rara margem de manobra.

1. Marcelo Rebelo de Sousa venceu as eleições presidenciais por mérito próprio. Não por mérito dos partidos que o apoiaram, nem por demérito dos adversários, nem por mérito das televisões que lhe forneceram o palco para os seus comentários nos últimos anos, nem sequer por força da comunicação social que beneficiou de forma escandalosa o candidato-comentador durante a campanha. A vitória à primeira volta sem favores aos partidos da direita que recomendaram o voto no seu nome e muito menos aos dirigentes e barões do PSD e CDS confere-lhe uma legitimidade democrática pessoal inegável e uma rara margem de manobra na sua acção política como presidente.

2. A vitória de Marcelo Rebelo de Sousa é uma vitória para a direita política e para a base social de apoio do PSD e do CDS - ainda que o voto em Marcelo tenha extravasado as fronteiras destes partidos - e, nesse sentido, é uma vitória do PSD e do CDS. Mas não é uma vitória para Pedro Passos Coelho, que tentou arregimentar outros candidatos sem êxito, que declarou em termos claros a sua aversão por Marcelo e que foi obrigado a engolir a sua candidatura a contragosto.

3. Marisa Matias foi a outra grande vencedora destas eleições, com o seu terceiro lugar e mais de dez por cento dos votos, muito acima do que todas as sondagens lhe prometiam. Mais do que a vitória de uma campanha bem organizada foi, acima de tudo, a vitória de uma candidata credível e com propostas coerentes, que fez campanha com a razão e o coração e que nunca deixou de defender sem ambiguidades as causas da esquerda.

4. António Costa fez o possível por não perder as presidenciais, com a sua disparatada decisão salomónica de recomendar o voto em Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa e a ideia peregrina de tratar a primeira volta das presidenciais como as "eleições primárias da esquerda portuguesa", mas averba, apesar disso, uma clara derrota. A primeira volta das presidenciais não foi as “primárias da esquerda”, a esquerda não conseguiu forçar uma segunda volta, nenhum dos candidatos semi-apoiados pelo PS passou a essa segunda volta, a ex-presidente do PS teve um resultado humilhante, o candidato que Costa teria gostado de apoiar mas em cujo apoio recuou conquistou uma honrosa votação e o vencedor indisputado das eleições é um ex-presidente do PSD que, durante os últimos quatro anos, manifestou uma enorme benevolência pela governação PSD-CDS e pela política de empobrecimento e de aumento das desigualdades. Costa pode esperar uma coabitação pacífica com Marcelo e até pode considerar que a sua eleição lhe garante, num primeiro momento, alguma cobertura do seu flanco direito, mas não pode fingir que teve uma vitória.

5. Sampaio da Nóvoa teve um bom resultado contra o mais difícil dos candidatos e, apesar de ter partido com um enorme handicap, provou que tinha todas as condições para ter sido o candidato da esquerda e um concorrente capaz de disputar a liderança de Marcelo Rebelo de Sousa. É verdade que contou com um apoio de peso do PS mas apenas na fase final da campanha e depois de uma longa e penosa travessia do deserto. A sua vitória deve-se, acima de tudo, às suas qualidades pessoais.

6. Maria de Belém teve o castigo merecido. A candidata da direita do PS pagou o preço pela falta de lealdade e pelo sectarismo da sua candidatura, pela vacuidade do seu programa, pela tibieza da sua campanha, pelo conflito de interesses como deputada-consultora, pela sua defesa clandestina das subvenções vitalícias.

7. O PCP teve, com Edgar Silva, o pior resultado de sempre em presidenciais. O resultado é escasso, acima de tudo, quando se compara com a excelente prestação da candidata do Bloco de Esquerda. O demérito pode ser atribuído ao candidato, que ficou aquém de captar metade do eleitorado da CDU nas legislativas, mas não pode deixar de ser atribuído ao discurso de protesto que a campanha escolheu, com o PCP a sublinhar os seus aspectos identitários e a demarcar-se de tudo e todos (nomeadamente do governo PS) em vez de se associar à possibilidade de construção de uma política comum de esquerda. O medo de se deixar confundir com os outros teve como recompensa um castigo eleitoral.

8. A elevada taxa de abstenção não se deve “às presidenciais” ou “à campanha” mas à falta de qualidade da acção política em geral. De cada vez que um político mente, foge a uma pergunta ou desrespeita um compromisso há mil eleitores que se evaporam.

9. A utilização de edifícios públicos por candidatos presidenciais na noite das eleições (a Faculdade de Direito por Marcelo Rebelo de Sousa e a Junta de Freguesia de Ramalde por Jorge Sequeira) é inaceitável e fere a independência que o Estado deve manter em relação aos concorrentes as eleições.

10. A promessa de pré-campanha mais clamorosamente atraiçoada não foi de nenhum dos candidatos mas de um meio de comunicação. Recordam-se dos responsáveis editoriais da TVI a prometer “não dar tréguas” a Marcelo e a prometer “incomodá-lo”? Não cumpriram.

jvmalheiros@gmail.com

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