Os marcos do mandato

Os primeiros meses foram marcados por medidas emblemáticas, mas também por casos polémicos e fait-divers. Das demissões inesperadas à reposição dos cortes salariais, passando pelo aumento dos combustíveis, segue-se uma análise ao que houve de novo. E ao que já está agendado para os próximos tempos.

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Sete das 16 medidas mais importantes já estavam feitas, diz PSD

NOVEMBRO

Fim dos exames do 4.º e 6.º ano

O programa do Governo já apontava para a necessidade de se reavaliarem os exames nos primeiros anos de escolaridade, mas ninguém estaria à espera que a primeira medida do mandato de Tiago Brandão Rodrigues, com efeito imediato, fosse a de pôr fim às provas do 4.º e 6.º ano, introduzidas por Nuno Crato. Estava o segundo período escolar a começar, em Janeiro passado, quando o ministro da Educação anunciou um novo modelo de avaliação para o ensino básico, que reverte em absoluto a preponderância dada à avaliação externa pelo anterior titular da pasta. Agora, o primeiro exame só passará a ser feito no 9.º ano e antes disso os alunos serão sujeitos apenas a provas de aferição, que não contam para a nota final, no 2.º, 5.º e 8.º ano. Estavam para ser obrigatórias já em Junho, mas passaram este ano a ter carácter facultativo: 57% dos agrupamentos vão realizá-las. Tiago Brandão Rodrigues sustenta que deste modo se potenciará o papel dos professores, uma vez que será a avaliação feita por estes que passa a ser fundamental. Clara Viana

DEZEMBRO 

Uma sobretaxa progressiva

Uma das primeiras medidas que o PS, o BE e o PCP tiveram de negociar no Parlamento foi a descida progressiva da sobretaxa de IRS este ano (com a promessa de ser eliminada em 2017). Em vez dos anteriores 3,5%, a taxa é diferente em função do rendimento, só se mantendo igual para quem está no escalão mais alto. As taxas variam entre 1% (a partir de 7070 euros de rendimento colectável), 1,75%, 3% e 3,5%. O PCP fez uma proposta autónoma, mas, na especialidade, o diploma foi votado antes da proposta do PS e, vendo-o chumbado, aprovou a dos socialistas. Esta foi uma das medidas em que o Governo se quis distanciar da coligação PSD/CDS-PP, que propunha que a sobretaxa descesse ao longo de quatro anos. Pedro Crisóstomo

Caso Banif e a “falha grave” na relação com a banca

Não foi, de certeza, o arranque de mandato com que Mário Centeno e a sua equipa sonharam. Dois dias depois de tomar posse, a 28 de Novembro, o ministro das Finanças troca as primeiras impressões com o Banco de Portugal (BdP)sobre o Banif. Seguiram-se reuniões diárias até que, a 20 de Dezembro, é anunciada a resolução do banco. E o Governo parte para um Orçamento Rectificativo, que conta com a oposição dos seus parceiros de maioria parlamentar. As relações com o governador Carlos Costa já não eram as melhores. Pioraram. Em Fevereiro, a propósito do arrastamento da solução para os lesados do BES, António Costa criticou o regulador: “Tenho de lamentar a forma como a administração do BdP tem vindo a arrastar esta matéria.” Carlos Costa reagiu, numa entrevista, afirmando não pretender sair. E foi em plena discussão sobre a forma de o Governo afastar o governador – invocando uma “falha grave” – que surgiram as declarações de Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado Adjunto e das Finanças. “Falha de informação grave”, foi a forma, subtil, de o governante qualificar a actuação de Carlos Costa no caso Banif, em que não comunicou à tutela o que defendeu nas reuniões do BCE. Paulo Pena

JANEIRO 

Cortes nos salários eliminados

Esta foi uma das primeiras medidas aprovadas na Assembleia da República com o novo enquadramento parlamentar. O plano inicial do PS passava por eliminar os cortes salariais dos funcionários públicos em dois anos em vez dos quatro anos propostos pelo PSD/CDS-PP. Mas das negociações com os partidos de esquerda saiu uma medida mais generosa do ponto de vista dos trabalhadores do Estado: o fim dos cortes salariais seria acelerado e eliminado totalmente em 2016. Na prática, o corte aplicado aos salários (ilíquidos) acima de 1500 euros está a ser reduzido em cada trimestre, para que a partir de Outubro desapareça completamente. Raquel Martins

SMN: o acordo que chegou depois da decisão

O objectivo era ambicioso: conseguir um acordo de médio prazo entre patrões, sindicatos e Governo para elevar o Salário Mínimo Nacional (SMN) até aos 600 euros em 2019. No decorrer das negociações na concertação social, no final de 2015, depressa se percebe que não havia condições para um acordo tão ambicioso e o Governo optou por centrar a discussão no aumento de 505 para 530 euros a 1 de Janeiro de 2016. À última hora, o acordo foi inviabilizado por uma proposta que visava compensar as empresas pelo encargo com uma redução da TSU e que a CGTP recusou. O acordo acabou por acontecer já em 2016, depois de o SMN ter aumentado, com a redução da TSU e sem a CGTP. O aumento valeu reparos de Bruxelas e do Fundo Monetário Internacional que receiam que a decisão traga efeitos negativos no emprego na integração dos desempregados de longa duração no mercado de trabalho.

FEVEREIRO

Sobe e desce nos combustíveis

O Orçamento trouxe medidas que repõem rendimentos às famílias, mas trouxe também subida de alguns impostos indirectos. O mais polémico foi o agravamento de seis cêntimos no imposto sobre a gasolina e o gasóleo. Com a medida, em vigor desde 12 de Fevereiro, o Governo vem compensar a perda de receita fiscal associada à queda dos preços do petróleo nos mercados, que então se acentuava. Para acompanhar a evolução da cotação, o executivo decidiu rever o ISP a cada três meses, para manter a “neutralidade fiscal”. A primeira revisão já aconteceu e levou entretanto a uma descida de um cêntimo no ISP da gasolina e do gasóleo. No primeiro mês da medida, a receita fiscal disparou 50%. Pedro Crisóstomo

MARÇO

Sentença pesada nos swaps

A decisão de avançar para os tribunais coube ao anterior Governo, mas será o executivo de António Costa a lidar com os seus impactos. A sentença, conhecida em Março, deu razão ao Santander, obrigando o Estado a pagar de imediato 350 milhões de euros (de um total de 1800 milhões que terão de ser liquidados até ao final dos contratos). O Estado português não pagou e recorreu do acórdão de Londres. No que toca a custos, o que já é certo é uma factura superior a 10 milhões com assessores e advogados que acompanharam o caso. Raquel Almeida Correia

O fim do eixo Belém-Ajuda

A anulação do plano de António Lamas para o eixo Belém-Ajuda é a medida mais marcante na área da Cultura nestes seis meses. Uma decisão de todo o Governo cujo impacto se estende à cidade de Lisboa, com a autarquia a ter agora a responsabilidade de apresentar  um novo projecto de revitalização desta zona monumental, a mais visitada do país. A extinção da estrutura de missão encarregada do chamado “plano Lamas”, uma iniciativa do anterior Executivo, acabou por ser ainda mais vincada porque foi o motivo invocado pelo então ministro da Cultura, João Soares, para afastar o que era à data presidente do Centro Cultural de Belém. O processo de destituição de António Lamas foi, aliás, um dos episódios mais polémicos do curto período em que o socialista ocupou a pasta. A forma como antecipou nos jornais a sua intenção de o demitir e a posterior nomeação para o cargo de um colaborador e amigo de longa-data, um socialista com ligações à maçonaria, não foram bem recebidas. Nem mesmo dentro da coligação que sustenta o Governo. Lucinda Canelas

Lacerda Machado: de amigo a consultor

A intervenção de Diogo Lacerda Machado em dossiers sensíveis, a pedido de António Costa, começou ainda antes da campanha eleitoral, mas foi em Março que a polémica ganhou escala, quando o primeiro-ministro anunciou que iria oficializar a ligação ao consultor, que sempre disse ser o seu “melhor amigo”. Depois dos lesados do BES, seguiu-se a negociação das mudanças no modelo de venda da TAP, a tentativa de conciliação de posições entre os dois maiores accionistas do BPI e, mais recentemente, o BES de novo, desta vez pelo lado dos emigrantes. O contrato com o consultor, que prevê o pagamento de dois mil euros brutos por ano, só termina em Dezembro deste ano. Raquel Almeida Correia

ABRIL

O envolvimento no BPI

Ainda com o Banif a dar que falar, e depois de o BdP ter passado obrigações do Novo Banco para o BES “mau” (o que não agradou ao Governo, pelo impacto nos investidores), António Costa fez questão de mostrar que estava atento ao diferendo accionista do BPI. Este envolve o espanhol Caixabank (dono de 44% do capital, mas que só pode votar com 20%) e a Santoro (que controla cerca de 21%) da empresária Isabel dos Santos, com a gestão liderada por Artur Santos Silva e Fernando Ulrich pelo meio. O emissário do Governo foi o amigo de António Costa, Diogo Lacerda Machado, mas, quando parecia que tinha havido um acordo, tudo caiu por terra. Daqui resultaram dois passos: uma OPA lançada pelo Caixabank (mais barata do que há um ano), e uma iniciativa legislativa. Esta última implica apenas as instituições financeiras (BPI e BCP) e obriga a que haja um encontro de accionistas entre 1 de Julho e o final do ano onde, sem restrições, seja votada a questão da desblindagem dos poderes de voto. Isabel dos Santos, filha do presidente de Angola, afirmou que a medida é “historicamente sem precedentes e declaradamente parcial". Luís Villalobos

Redução dos contratos de associação

O Ministério da Educação anunciou, em Abril, que ia acabar com as “redundâncias” na rede escolar, pondo termo ao financiamento de novas turmas nos colégios com contratos de associação que estão na vizinhança de escolas públicas. Com esta decisão que, segundo o ME, visa repor o espírito inicial daqueles contratos (garantir ensino gratuito nas regiões onde não existia oferta pública), Tiago Brandão Rodrigues e a sua secretária de Estado, Alexandra Lencastre, compraram uma guerra com o ensino particular e com a Igreja católica, a quem estão ligados muitos dos colégios financiados pelo Estado, que reproduz quase a papel químico a que em 2011 foi travada por Isabel Alçada, agora conselheira para a Educação de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas ao contrário do que aconteceu, então, tudo indica que Tiago Brandão Rodrigues não vai recuar apesar da maré de protestos. Dos 79 colégios com contratos, 39 já foram retirados da lista para as novas turmas de 5.º, 7.º e 10.º, que vai a concurso público. E quase 10 mil alunos poderão ser obrigados a mudar para o ensino público já no próximo ano lectivo. Se o processo se concretizar, apesar dos vários problemas técnicos detectados no estudo que o sustenta, pode-se dizer que há uma mudança de paradigma no sector da Educação. Clara Viana

Demissões sem anúncio

Na Cultura, na Educação e na Defesa, houve três demissões que acabaram por determinar uma semana negra para o Governo. Estávamos em meados de Abril e tudo começou com João Soares a ameaçar dar duas “salutares” bofetadas a um colunista do Público. Um dia depois, o então ministro da Cultura apresentava a sua demissão a António Costa. Mais ou menos pela mesma altura, João Wengorovius Meneses deixou a pasta da Juventude e Desporto para ser substituído por João Paulo Rebelo. Anunciou a saída no Facebook, com estrondo, “em profundo desacordo com o Sr. Ministro da Educação”. Ainda em meados de Abril, a demissão de Carlos Jerónimo, Chefe de Estado-Maior do Exército, causou incómodo no ministério da Defesa Nacional. O CEME saiu dois dias depois de o ministro Azeredo Lopes lhe ter pedido um esclarecimento a propósito de afirmações feitas pelo subdirector do Colégio Militar sobre discriminação dos alunos homossexuais. Sónia Sapage

MAIO 

Ainda mais Simplex

O anúncio do Simplex 2016 marcou os primeiros meses do Governo e a sua implementação marcará os próximos anos. Ao todo são 255 medidas vocacionadas para simplificar a vida de cidadãos, empresas e administração pública em várias áreas. Boletins de vacinas digitais, receitas sem papel, testamento vital online, uma aplicação para centralizar os processos de gestão escolar dos alunos e outra para pagar impostos, processo judiciário electrónico e senhas online para usar nos centros de emprego são exemplos de medidas propostas pelo Governo para vigorar, em alguns casos, imediatamente. Sónia Sapage

Reabertos 20 tribunais

A ministra da Justiça, Francisca van Dunem, anunciou esta terça-feira a reactivação, para Janeiro do próximo ano, dos 20 tribunais encerrados em Setembro de 2014. O Governo socialista reverte assim um dos mais contestados aspectos da nova organização dos tribunais, a mais profunda reforma da Justiça das últimas décadas, levada a cabo pelo Governo de Passos Coelho. Os tribunais não vão abrir com os serviços que tinham antes da reforma, passando a funcionar como balcões de atendimento, onde esporadicamente ocorrem diligências. Estas secções vão funcionar apenas com um funcionário judicial em permanência, sem procurador nem juiz residente, essencialmente para receber documentos, disponibilizar informações e ouvir testemunhas por videoconferência, num regime semelhante ao que existe nas actuais 27 secções de proximidade. Novidade é que a partir do próximo ano passarão a receber pelo menos os julgamentos dos crimes puníveis com penas até cinco anos. Mariana Oliveira

 A tensão com Bruxelas

O primeiro Orçamento do Estado (OE) do actual Governo começou com um braço-de-ferro entre o Terreiro do Paço e Bruxelas, com a Comissão Europeia a exigir novas medidas de consolidação. Acabou por haver um consenso mínimo, mas que alterou o projecto inicial do OE, ao deixar cair medidas como a redução da TSU dos trabalhadores com salário até 600 euros (adiada para 2017) e ao introduzir um agravamento nos impostos indirectos, com destaque para o ISP. Depois, houve que encetar novas negociações com os três partidos que viabilizam o Governo, (PCP, BE e Os Verdes), e mais despesa, mas o Governo insiste que nada altera a meta de reduzir o défice para 2,2% este ano. Acontece que a Comissão Europeia não acredita nas contas do Governo. Na avaliação ao Procedimento por Défice Excessivo, do qual Portugal devia ter saído no final do ano passado (não ficou abaixo dos 3% do PIB, mesmo sem contar com o Banif), a Comissão Europeia deu mais um ano a Portugal para cumprir as regras (em Julho se saberá se há sanções ou não, e quais), mas alertou desde logo que são precisas novas medidas para atingir o objectivo. A 18 de Maio, Bruxelas afirmou que Portugal tem de atingir um défice de 2,3% do PIB, mas a diferença é que, nas suas contas, o Governo não consegue um défice abaixo dos 2,7% (é também exigida uma redução do défice estrutural de 0,25 pontos percentuais) e, assim, serão necessárias medidas da ordem dos 750 milhões. No fundo, acaba por ser o tal “plano B” já pedido por Bruxelas, e que o Governo diz não ser preciso. Luís Villalobos

Reversões nos transportes

Como tinha prometido, o Governo fez um rewind nas concessões e em parte das privatizações no sector dos transportes. Começou por anular os contratos firmados com a Transdev, Avanza e Alsa para a gestão da Metro do Porto, Metro de Lisboa/Carris e STCP, alegando que existiam ilegalidades e sujeitando o Estado a processos judiciais por parte dos privados. Na TAP, o modelo de venda foi alterado, passando o Estado a deter 50% do capital (em vez de 34%), embora os direitos económicos possam atingir, no máximo, 18,5%. O contrato foi assinado no passado sábado, mas o executivo recusou-se a divulgá-lo. Raquel Almeida Correia

JUNHO

Liberdade de escolha e mais oferta no SNS

Se a promessa do Ministério da Saúde for cumprida à risca, a partir do final deste mês os cidadãos passam a poder escolher o hospital público onde serão observados em consultas de especialidade e, eventualmente, submetidos a cirurgias. A operacionalização do livre acesso e circulação no Serviço Nacional de Saúde arrancou no início deste mês. É uma mudança de paradigma: em conjunto com os médicos de família, os utentes poderão escolher o hospital público para onde são encaminhados para a primeira consulta de especialidade, ao contrário do que acontece actualmente. O ministério comprometeu-se ainda a alargar a oferta do SNS nas áreas da saúde oral e visual. Para já, o que avançou foi um rastreio visual que vai abranger mais de cinco mil bebés em centros de saúde do Porto e arredores. Um projecto piloto a que se vai juntar outro, na área da saúde oral, e que prevê disponibilizar consultas com dentistas em 13 centros de saúde da região de Lisboa e Vale do Tejo e do Alentejo. Alexandra Campos

JULHO

35 horas no Estado avançam em Julho

A reposição da semana de 35 horas no Estado é uma das bandeiras do Governo e dos partidos que o apoiam no Parlamento. Pressionado pelo PCP, pelo BE e pelo PEV, o PS viu-se obrigado a apresentar logo no início do ano um projecto de lei no Parlamento. A proposta não agradou aos sindicatos, porque arrastava a aplicação das 35 horas para Outubro e não abrangia os trabalhadores com contrato individual, motivando uma greve de sindicatos da função pública ligados à CGTP. O processo legislativo foi atrasado pelo Orçamento do Estado e entra agora na fase final. Com os dados existentes até agora, as 35 horas estão garantidas a 1 de Julho para a maioria dos funcionários públicos. Falta saber como se fará a aplicação nos serviços com falta de pessoal. Os contratos individuais ficam fora. Raquel Martins

IVA na restauração nos 13%

Ainda não será uma reposição total, mas em Julho os restaurantes vão poder ter cobrar IVA a 13% nas refeições e serviços de cafetaria, depois de mais de três anos com o imposto a 23%. De fora ficam as bebidas alcoólicas e os refrigerantes, que mantêm o imposto inicial. A reposição do IVA foi uma das promessas eleitorais de António Costa, que espera estimular a criação de emprego no sector da restauração. O impacto para os cofres do Estado será de 175 milhões de euros em 2016 (350 milhões no próximo ano). O primeiro-ministro tem garantido que em 2017 haverá “redução integral” do IVA. Ana Rute Silva

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