O suicídio de Passos e a felicidade do PS

Os verdadeiros líderes conhecem-se nas horas más. Passos já provou estar à altura. Costa ainda não.

Para que não restem dúvidas: a referência aos suicídios em Pedrógão Grande por parte de Pedro Passos Coelho é inadmissível quer tivessem existido ou não. Como João Pedro Henriques escreveu no DN: “Passos pediu desculpa por ter usado informação falsa. Não percebe que não podia ter usado, mesmo se verdadeira.” É exactamente isso. Embora existam relatórios oficiais a estabelecer nexos de causalidade entre suicídios e causas externas – ainda no ano passado o Observatório Português dos Sistemas de Saúde assinalou a coincidência do aumento de suicídios com o período de crise 2008-2012 –, a verdade é que não se pode nunca falar do tema com ligeireza, e muito menos de improviso.

Ora, chega a ser desesperante a forma como os constantes improvisos de Passos Coelho diante das câmaras de televisão destroem a principal mensagem que quer fazer passar. É como se ele próprio estivesse tomado por um instinto politicamente suicidário que o leva a entregar corda, pescoço e patíbulo nas mãos da oposição. Eu recordo-me de ter escrito, em Agosto do ano passado, um texto chamado “Ó Passos, escreve os discursos!”, após mais uma intervenção desastrada na festa do Pontal. Infelizmente, o homem parece não aprender com os erros, e é verdadeiramente lastimável o desgaste provocado por estas intervenções absurdas. Aqueles, como eu, que reconhecem a importância do seu papel nos últimos anos, arrancam os cabelos perante tantas manifestações de amadorismo.

Independentemente da questão económica e da forma como o Governo aplicou o memorando da troika, Pedro Passos Coelho tem três méritos enormes, que só não lhe são reconhecidos por quem não tem olhos na cara: 1) libertou a Justiça portuguesa do jugo socrático, deixando-a novamente livre para investigar; 2) despartidarizou a RTP e não interferiu nos jornais e nas televisões, sobretudo depois de Relvas ter sido corrido do Governo; 3) não socorreu Ricardo Salgado, deixando cair o BES com estrondo. Este triplo legado, que vai muito para além das políticas económicas que decidiu adoptar, chega e sobra para o país ter uma enorme dívida de gratidão para com ele. Acredito que a História lhe fará justiça. Mas desconfio que a casmurrice que o leva a não atender os telefonemas de Salgado é a mesma casmurrice que o leva a não escrever os discursos e as intervenções públicas.

E, no entanto, tão obsceno quanto a gafe de Passos Coelho foi a reacção da esquerda à sua gafe. A felicidade que se viu por essas redes sociais, e nas primeiras declarações de Ana Catarina Mendes, demonstra um desejo muito mal escondido de transformar a asneira do suicídio num Diabo Parte II. O Governo e o PS andam há ano e meio a viver à custa de Passos – tanto do brutal ajustamento que permitiu a folga para andar agora a aumentar salários, como das declarações de catástrofe que nunca chegaram a concretizar-se. Já vai sendo horas, diria eu, de o Governo e o PS começarem a pedalar sem rodinhas, e a assumir as consequências das suas acções – e das suas inacções. Convém que ninguém se confunda: não é a oposição que tem de justificar-se por aquilo que aconteceu em Pedrógão Grande. Esse é um teste – decisivo – para António Costa. Portugal inteiro já percebeu que ele é óptimo a dar boas notícias. Falta-nos ainda saber de que têmpera é feito quando tem de lidar com a maior tragédia que Portugal conheceu em 44 anos de democracia. Os verdadeiros líderes conhecem-se nas horas más. Passos já provou estar à altura. Costa ainda não.

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