O que divide BE e PCP ainda não os separa de Costa. Em 2017 será pior

Orçamento aprovado não é orçamento fechado nem consenso alcançado. Bloco de Esquerda e PCP mostram que há divergências face ao PS no Governo e que o próximo ano terá ainda mais tensões.

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Os sinais do OE mostram que a permanente negociação de Costa com os parceiros não será mais fácil Reuters/STRINGER

Numa semana, o Governo apresenta o Orçamento do Estado (OE) para 2017, depois de um acordo com os parceiros. Na semana seguinte, PCP e sobretudo BE mostram divergências em público, fazendo oposição a algumas medidas que constam do documento que vão aprovar. Semana atípica na coligação ou prova de que este OE foi só um treino para o ano turbulento de 2017? Será um ano mais duro para o executivo PS de António Costa? 

Se este ano as eleições autárquicas e Bruxelas já condicionaram as opções políticas, para o ano a correlação de forças entre os três partidos, com o pulso medido a cada sondagem, será ainda mais difícil de equilibrar, acreditam da esquerda à direita. Acresce que nesta equação estarão os resultados da economia. “Se este ano houve um esforço orçamental grande, para o ano ou a economia cresce ou será mais complicado. A competição entre os partidos é enorme”, diz Marques Mendes ao PÚBLICO.

Os constrangimentos europeus são a pedra de toque da argumentação lançada pela própria líder do BE, Catarina Martins, que começou por defender que este “não é um Orçamento de esquerda” e acrescentou, em entrevista ao Jornal de Negócios, que “o PSD devia dar os parabéns pelo OE. O Bloco de Esquerda é que duvida que este seja o melhor caminho”. Na génese da mensagem está o Tratado Orçamental. A frase de Catarina Martins foi aproveitada pelo socialista Francisco Assis, que escreveu no PÚBLICO que “António Costa está mais preocupado com Bruxelas do que com o BE o PCP”. Marques Mendes tem uma visão semelhante: “Este Orçamento, em vez de os unir, dividiu-os”, diz.

Já o colunista Daniel Oliveira defende que apesar de todos os cintos apertados, “este é um OE mais de esquerda que o anterior” e que é uma questão que PCP e BE aceitaram desde início: “A esquerda apoiou um governo muito mais limitado que os anteriores por causa de Bruxelas. Não se encontra nenhuma divergência que não tenha a ver com metas orçamentais”. Para futuro? “Haverá mais atritos, sobretudo na Segurança Social”.

Novembro tenso

A verdade é que a meta do défice de 1,6% do PIB para o próximo ano, esticada por Mário Centeno, causou alguns problemas já neste OE e a margem reclamada pelos parceiros de Governo para o debate que se iniciará em Novembro na especialidade (ou seja, a discussão medida a medida em comissão) é curta. Depois de uma semana a mostrarem as divergências em público, o próximo mês continuará a ser de negociações.

PCP e BE já prometeram que não vão desistir das suas bandeiras principais: Jerónimo de Sousa fez questão de dizer que vai voltar a propor o aumento de todas as pensões já em 2017, o que significa que quer também um aumento extraordinário até dez euros para as pensões mínimas do primeiro escalão (quem tem 15 ou menos anos de desconto), para as pensões sociais e rurais, actualizadas pelo anterior Governo e que serão apenas actualizadas à taxa de inflação. Outro assunto que poderá ser levado à especialidade será a devolução integral do subsídio de Natal em Novembro, acabando com a devolução de metade ao longo do ano, inscrita no OE. 

Do lado do BE, há duas propostas: mexidas na regras dos recibos verdes, que permite que os descontos sejam feitos com os rendimentos dos meses imediatamente anteriores; e mexidas nas deduções de educação. Aqui há um senão. Foi o próprio primeiro-ministro que disse esta semana na TVI que muito se especulou sobre uma medida “que não existe”. Acresce que o Diário de Notícias escrevia ontem que foi António Costa a travar esta mexida, por considerar que ninguém a entenderia. Catarina Martins ouviu e admitiu ao Negócios que a solução técnica é difícil, mas que não desiste dela. 

Outra proposta do BE que poderá causar tensão no debate na especialidade será alterações aos salários dos administradores da CGD. Uma proposta do PCP para os limitar a 90% do vencimento do Presidente da República foi chumbada esta semana. Resta saber se o BE vai colocar a questão na discussão do OE na especialidade, se numa lei à parte. Nesta sexta-feira, depois de uma audição com Marcelo Rebelo de Sousa, a líder do BE lembrou que há uma “bloco central preocupante” no que toca aos assuntos do sistema financeiro.

Se não há quem acredite que as divisões provoquem uma ruptura agora, também ninguém acredita que 2017 será mais fácil para a relação entre os partidos. E foi o próprio Governo a lançar achas para uma fogueira futura, quando avisou que pretendia, no ano que vem, introduzir a condição de recursos nas prestações sociais (neste caso, na atribuição do complemento social das pensões mínimas). Os partidos preferiram o silêncio oficial, mas a guerra é oficiosa. Não concordam, não querem e não percebem o porquê de o debate ter sido lançado agora, numa altura em que o Governo aumentou as pensões.

Mas há também (e sobretudo) a guerra política para a função pública. Se este ano a bandeira dos dois partidos foi o aumento de pensões, no próximo ano haverá dois temas chave: os aumentos reais de salários aos funcionários públicos, incluindo o descongelamento das carreiras, e as mexidas nos escalões do IRS. 

“Acho que esta será umas das bandeiras”, diz Daniel Oliveira, que estabelece uma divisão: se o PCP tenderá a centrar as reivindicações nos funcionários públicos, O BE, não deixando de o fazer com insistência, tenderá a centrar o discurso nos trabalhadores precários, nos recibos verdes. “Tem de conseguir mudar os regimes e fazer disso uma prioridade”, vaticina Daniel Oliveira. Além do que está agora a ser debatido, o BE quer ainda rever os descontos durante os meses em que os trabalhadores não têm trabalho, para evitar buracos na carreira contributiva.

No rol de políticas que poderão causar tensão, conta-se ainda o aumento do salário mínimo e as mexidas no IRS adiadas este ano por Costa. Seguindo a política de “devolução de rendimentos”, os parceiros irão insistir neste ponto, que é, no entanto, um dos mais pesados do ponto de vista orçamental.

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